Alexitimia: a dificuldade em identificar e descrever as próprias emoções

Alexitimia é um traço de personalidade em que os indivíduos apresentam dificuldade em identificar e descrever suas emoções. O famoso sentimento de sentir algo mas, ao mesmo tempo, não conseguir descrever. Na população em geral, cerca de 10% apresenta níveis clinicamente relevantes de alexitimia. Sendo mulheres, cerca de 7% e, para os homens, quase o dobro disso, cerca de 13%.

Essa condição pode afetar relacionamentos sociais e íntimos e provavelmente as pessoas que a têm perderão pistas sociais, ocasionando no não reconhecimento ou compreensão dos sentimentos dos outros.

Pesquisas anteriores sugeriram que uma história de maus tratos na infância poderia desempenhar um papel no desenvolvimento da alexitimia em adultos. Entretanto, uma nova análise publicada em abril de 2023 no periódico Psychological Bulletin conseguiu sintetizar evidências empíricas na literatura global sobre as ligações entre a alexitimia adulta e todas as formas de maus tratos infantis.

“Podemos dizer agora com mais confiança que esses fenômenos — maus tratos infantis e alexitimia — estão bastante relacionados entre si”, disse o coautor sênior Anat Talmon, que supervisionou o estudo.

Realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford, o artigo é o primeiro a mostrar evidências empíricas. Para isso, 78 publicações que relataram detalhes de possíveis maus-tratos infantis e níveis de alexitimia na idade adulta foram analisadas. Além disso, cerca de 36 mil participantes foram incluídos no estudo conduzido pelo Laboratório de Psicofisiologia de Stanford com colaboradores da Universidade Hebraica e da Universidade Adam Mickiewicz.

Os maus-tratos físicos encontrados no estudo

 

Durante a pesquisa, três tipos de maus-tratos sofridos na infância se mostraram mais fortes em pessoas que alegavam alexitimia: a negligência emocional, abuso emocional e negligência física, os dois últimos ocorrendo geralmente juntos. Outros dois tipos – o abuso sexual e físico – também foram relacionados com o distúrbio, mas foram menos preditivos.

“Quando alguém é abusado sexual ou fisicamente, muitas vezes ele ou ela sabe, até certo ponto, que algo está errado”, comenta Talmon em comunicado.

De acordo com o artigo, a negligência emocional ocorre quando os cuidadores falham em atender às necessidades emocionais de uma criança, incluindo segurança e conforto. Já o abuso emocional acontece quando os cuidadores ridicularizam, menosprezam ou culpam as crianças, colocando a responsabilidade no menor ​​pelos problemas domésticos ou dos cuidadores. A negligência física envolve cuidadores que não fornecem alimentação adequada, roupas ou um ambiente seguro.

Desses, tanto a negligência emocional quanto o abuso emocional são muitas vezes mais difíceis de serem identificados pelas vítimas ou por outros membros da família ou vizinhos. Assim, as vítimas podem ser menos propensas a procurar ajuda. “Ninguém está satisfazendo suas necessidades emocionais, mas você não tem a capacidade de identificar e reconhecer suas emoções por conta própria, o que aumenta a probabilidade de desenvolver alexitimia”, complementa Talmon.

Papel dos cuidadores

 

Os altos níveis de alexitimia estão associados a distúrbios psicológicos, incluindo autismo, depressão e esquizofrenia. Segundo James Gross, professor de psicologia Ernest R. Hilgard na Escola de Humanidades e Ciências, “está cada vez mais claro que tanto a alexitimia quanto os maus-tratos infantis são fatores de risco transdiagnósticos, o que significa que sua presença coloca uma pessoa em maior risco de desenvolvendo uma ampla gama de transtornos mentais. No entanto, o que ainda não está claro é como esses dois fatores de risco estão relacionados entre si e por que eles frequentemente ocorrem ao mesmo tempo”.

Para os autores, é necessário considerar e entender o papel dos cuidadores da criança para entender as ligações entre alexitimia e maus-tratos infantis. Os cuidadores, muitas vezes os pais, são tipicamente o modelo mais importante para os pequenos em seu desenvolvimento emocional.

No entanto, os cuidadores também são os mais comuns em cometer maus-tratos infantis, mesmo quando não o querem fazer. De acordo com o artigo, algumas formas de maus-tratos podem ser sutis. Quando cuidadores bem-intencionados podem estar cronicamente doentes, clinicamente deprimidos ou incapazes de apoiar emocionalmente as crianças por outros motivos.

Crianças maltratadas crescem com menos exemplos de estratégias positivas de enfrentamento sob estresse e menos oportunidades de expressar emoções apropriadamente.

Em resposta a eventos negativos, algumas crianças maltratadas podem se comportar de forma agressiva ou violenta, enquanto outras se fecham com um afeto emocional plano ou dissociação. Pesquisas anteriores mostraram que a dissociação da infância — distanciamento dos sentimentos — está fortemente relacionada ao abuso emocional ou à indisponibilidade dos cuidadores.

Tratamento

 

Os autores observam que intervenções terapêuticas aprimoradas para adultos com alexitimia são necessárias. Isso porque, pessoas em tratamento para depressão ou transtorno de estresse pós-traumático podem ter uma pontuação alta em alexitimia, tornando mais difícil para elas serem introspectivas e bem-sucedidas na terapia.

Durante o tratamento, avalia-se a dificuldade dos pacientes em expressar e identificar emoções. O que, para os adultos com alexitimia, envolve o desenvolvimento da capacidade de estar em contato com suas emoções, as entendendo e explicando de maneira incorporada. “Antes que você possa trabalhar na regulação do seu sentimento, primeiro você precisa entender e reconhecer o seu sentimento”, diz também Talmon.

Outro adendo feito pelos pesquisadores é para os familiares e amigos de pessoas que apresentam alexitimia: estes devem tentar entender que pessoas com alexitimia muitas vezes não identificam e expressam seus sentimentos tão prontamente quanto os outros ou não entendem os sentimentos dos outros, e que não estão tentando se fazer de difíceis sobre o que sentem.

Fonte: Revista Galileu

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