Batata-frita e salame: por que os alimentos ultraprocessados, além de engordar, afetam a memória

SÃO PAULO — Apenas um mês de uma dieta rica em besteiras como batata frita, nuggets, salgadinho, hamburguer, pizza e massa congelada, frios, entre outros alimentos ultraprocessados, é suficiente para prejudicar a memória. Por outro lado, a suplementação com ômega-3 DHA, um tipo específico do ácido graxo, ajuda a prevenir problemas de memória e reduzir o efeito inflamatório desse tipo de alimentação.

A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, em ratos.

— O fato de estarmos vendo esses efeitos tão rapidamente é um pouco alarmante — disse em comunicado a autora sênior do estudo Ruth Barrientos, pesquisadora do Instituto de Pesquisa em Medicina Comportamental da Universidade Estadual de Ohio e professora associada de psiquiatria e saúde comportamental.

A dieta do estudo imitou alimentos humanos ultraprocessados, aqueles prontos para consumo que geralmente são embalados para longa vida útil. Publicado na revista Brain, Behavior, and Immunity, o trabalho mostrou que a neuroinflamação e os problemas cognitivos não foram detectados em ratos adultos jovens que ingeriram a dieta processada. Apenas nos mais velhos.

No estudo, os pesquisadores atribuíram aleatoriamente ratos machos de 3 e 24 meses de idade à sua ração normal composta por 32% de calorias de proteína, 54% de carboidratos complexos à base de trigo e 14% de gordura; uma dieta altamente processada com 19,6 % de calorias de proteínas, 63,3% de carboidratos refinados – amido de milho, maltodextrina e sacarose – e 17,1% de gordura; ou essa mesma dieta ultra-processada, suplementada com ômega-3.

Inflamação e problemas de memória

Os resultados mostraram uma elevada ativação de genes ligados a uma poderosa proteína pró-inflamatória e outros marcadores de inflamação no hipocampo e amígdala dos ratos idosos que ingeriram apenas a dieta processada. O mesmo não foi observado nos animais jovens, independente da dieta, nem nos animais mais velhos que também receberam o suplemento de ômega-3.

Os roedores mais velhos na dieta processada também mostraram sinais de perda de memória, que não foram observados nos mais jovens. Em poucos dias eles esqueceram de ter passado algum tempo em um espaço desconhecido, um sinal de problemas com a memória contextual no hipocampo, e não exibiram comportamento de medo antecipado a uma pista de perigo, o que indica anormalidades na amígdala.

— Em humanos, a amígdala tem sido implicada em memórias associadas a eventos emocionais, produtores de medo e ansiedade. Se esta região do cérebro é disfuncional, as pistas que predizem o perigo podem ser perdidas e podem levar a más decisões — disse Barrientos.

A nutróloga Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) explica que estudos anteriores em humanos já demonstraram que uma dieta rica em gordura saturada e açúcar adicionado, como encontrado em alimentos ultraprocessados, impacta o hipocampo.

— Cada vez mais sabemos que uma dieta rica nesses alimentos causa impactos no funcionamento e na estrutura do sistema nervosos central — alerta a médica.

Segundo ela, os estudos em animais ajudam a responder ou desvendar mecanismos observados em estudos em humanos. Por exemplo, não seria possível realizar um estudo em humanos no qual um grupo de participantes passaria um mês ingerindo uma dieta com alto teor de alimentos ultraprocessados, pois já é sabido que eles fazem mal à saúde. Mas em roedores, é possível fazer isso e observar os resultados.

O papel do ômega-3

A suplementação de ômega-3 DHA junto com a dieta rica em alimentos processados foi capaz de prevenir a resposta inflamatória no cérebro e os sinais comportamentais de perda de memória. DHA, ou ácido docosahexaenóico, é um ácido graxo ômega-3 que está presente junto com ácido eicosapentaenóico (EPA) em peixes e outros frutos do mar.

Entre as múltiplas funções do DHA no cérebro está um papel na defesa contra uma resposta inflamatória. Mas esse é o primeiro estudo que demonstra sua capacidade de agir contra a inflamação cerebral provocada por uma dieta processada.

Os pesquisadores alertam que o fato de a suplementação com ômega-3 evitar os danos causados pelos alimentatos ultraprocessados não equivale a um passe livre para comer livremente esses alimentos. Além deles anda não saberem qual é a quantidade de ômega-3 DHA necessária para atingir o efeito protetor, não se sabe se esses resultados se traduzem em humanos, por exemplo. Além disso, o suplemento nem a juventude foram capazes de evitar o ganho de peso proporcionado pela má alimentação.

Obesidade e diabetes

Dietas ricas em alimentos altamente processados estão associadas à obesidade, diabetes tipo 2, além de outras alterações metabólicas, cardiovasculares e imunológicas.

Alimentos ultraprocessados, mesmo aqueles com alto teor de gordura, não têm boas propriedades nutricionais. Eles não têm fibras e têm carboidratos refinados, que são conhecidos como carboidratos de baixa qualidade. Garcez recomenda consumí-los “muito eventualmente” e aumentar a ingestão de comidas ricas em DHA, como salmão, em especial para idosos.

— Essas descobertas indicam que o consumo de uma dieta processada pode produzir déficits de memória significativos e abruptos – e na população em envelhecimento, o declínio rápido da memória tem maior probabilidade de progredir para doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer. Estando ciente disso, talvez possamos limitar os alimentos processados em nossas dietas e aumentar o consumo de alimentos ricos em ácidos graxos ômega-3 DHA para prevenir ou retardar essa progressão — ressalta Barrientos, principal pesquisadora do estudo.

Alimentação balanceada

Se uma alimentação com alto teor de comida procesada faz mal ao cérebro, o segredo para mantê-lo saudável é justamente o oposto: manter uma dieta variada, equilibrada e o mais natural possível. O ideal é optar por proteínas magras ou que tenham gordura boa, como peixes de água fria, ricos em ácido graxo ômega-3.

— As nozes, algas e sementes, como chia e linhaça, são boas fontes desses nutrientes, e devem ser incluídas na dieta de quem quer ter uma boa saúde cognitiva. Fontes de polifenois e carotenoides, como vegetais, especiarias e frutas, também — orienta a médica.

Quanto às fontes de carboidratos complexos, que demoram mais para digerir e fornecem energia para o cérebro sem causar picos de açúcar no sangue, vegetais, frutas, legumes e tubérculos e cereais integrais são boas opções.

O Globo

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