Biomédica do RS descobre gene associado a tipo grave de câncer infantil

O câncer é a doença que mais mata crianças e adolescentes de 1 a 19 anos no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Entre os tipos mais comuns da enfermidade nesse público está o meduloblastoma, que faz parte do grupo de tumores do sistema nervoso central. Esse grupo representa 20% dos casos de câncer infantil, segundo o Inca, atingindo sobretudo crianças de até 5 anos.

Foi pesquisando sobre esse tipo de tumor que a biomédica Lívia Fratini Dutra, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), descobriu que um gene chamado ZEB1 está presente em casos graves de meduloblastoma. A pesquisa é fruto de uma parceria entre o Laboratório de Câncer e Neurobiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), a UFRGS e o Instituto do Câncer Infantil (ICI).

Publicado no periódico NeuroMolecular Medicine em 18 de junho, o estudo descreve a relação entre esse tipo de câncer cerebral e o ZEB1. Esse gene é responsável por regular o desenvolvimento do cerebelo, área do cérebro ligada ao controle de movimento, equilíbrio e orientação.

Para compreender a importância do achado de Lívia, é necessário saber que existem quatro subtipos de meduloblastoma. Essas classificações têm a ver com o perfil clínico e o prognóstico de cada caso. Aqueles que se enquadram nos grupos 3 e 4 são os mais agressivos.

A doutoranda da UFRGS evidenciou que a presença do gene ZEB1 está relacionada a uma pior expectativa de vida em pacientes diagnosticados justamente com os tipos 3 e 4 desse câncer. Isso significa que, pela primeira vez, um gene pode ser um biomarcador a auxiliar na determinação da sobrevida de crianças com meduloblastoma.

“Não é porque é um meduloblastoma que a forma de tratamento será igual. Existem tipos moleculares da doença, e o achado de ZEB1 nelas pode ser uma ferramenta potente de prognóstico e plano de tratamento especializado para essas diferenças”, afirma Dutra, em entrevista a GALILEU.

Mais de 700 amostras

Para atingir esse resultado, a pesquisadora e seu orientador, Rafael Roesler, professor do Departamento de Farmacologia da UFRGS, analisaram mais de 700 amostras vindas de bancos de dados internacionais. Isso foi fundamental na compreensão de um tumor que tem baixa incidência de casos nos hospitais.

A cientista da UFRGS analisou mais de 700 amostras de células de meduloblastomas vindas de bancos de dados internacionais (Foto: Flávio Dutra/  UFRGS)
A cientista da UFRGS analisou mais de 700 amostras de células de meduloblastomas vindas de bancos de dados internacionais (Foto: Flávio Dutra/ UFRGS)

“Graças a esses dados pudemos enxergar diferenças que não conseguiríamos evidenciar se estivéssemos analisando apenas um ou dois tumores”, ressalta a doutoranda. “Cientificamente e estatisticamente, isso tem uma força muito grande para podermos chegar a um resultado que tenha confiança”.

Principalmente durante a pandemia de Covid-19, quando os laboratórios fecharam, esse tipo de estratégia de uso de banco de dados e bioinformática se tornou ainda mais importante. “Essa foi uma das maneiras que encontramos de continuar fazendo pesquisa mesmo isolados em casa”, recorda Roesler.

Um poderoso aliado

Outra parte importante do estudo foi o teste do medicamento fingolimode em células de neuroblastoma. A droga, que já é usada para o tratamento de esclerose múltipla, também serve como um modulador epigenético, ou seja, atua na forma como o DNA se expressa.

Lívia havia lido um estudo que usou o fingolimode em células desse tipo de câncer e que as matou com sucesso. Então, ela testou o medicamento em uma dose menor, que não chegava a matar as células, e analisou a quantidade de ZEB1 nelas. “Vimos que o fingolimode diminuiu a expressão de ZEB1 nas células do grupo 3, mais uma vez reforçando que o papel do gene atua diferentemente em cada subgrupo específico”, relata a biomédica.

O uso desse remédio também interessou os pesquisadores pela estratégia de reposicionamento de fármacos. “É um medicamento que já está estabelecido para uso, portanto toda a parte de segurança, toxicologia e dosagem já está resolvida em seres humanos”, observa o orientador. “Isso economiza riscos, tempo e dinheiro”.

*Supervisão e edição por Luiza Monteiro 

Fonte e imagem: Revista Galileu

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