
Células cancerígenas no pâncreas conseguem alterar sua “dieta” para continuarem a crescer, alternando a fonte de energia da glicose por um combustível de reserva chamado uridina. É o que mostra um novo estudo conduzido por cientistas do Instituto de Pesquisa do Câncer, no Reino Unido, e da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicado na revista científica Nature.
A partir das descobertas, os pesquisadores acreditam que bloquear a disponibilidade de uridina por meio de medicamentos pode se tornar uma nova estratégia de tratamento para o câncer de pâncreas. Além disso, eles imaginam que a substância também pode ser uma fonte de energia para outros tumores, como de pulmão, de estômago e do cérebro.
Caso estudos comprovem essa hipótese, atuar no mecanismo pode se tornar uma técnica terapêutica inédita para uma ampla variedade de tipos de câncer.
“As células cancerígenas recuperam qualquer coisa disponível em seu ambiente e usam para seu próprio benefício. Descobrimos que a forma mais letal de câncer de pâncreas pode até mudar sua dieta para sobreviver”, diz um dos responsáveis pelo estudo, Anguraj Sadanandam, líder da equipe em sistemas e medicina de precisão do câncer no Instituto de Pesquisa do Câncer, em comunicado.
“Os cânceres podem se alimentar de uma molécula conhecida como uridina como uma reserva de emergência quando não conseguem acessar a glicose, da qual normalmente dependem para se manterem vivos”, complementa.
A molécula de uridina está disponível em todo o corpo e é essencial para um metabolismo saudável, explicam os cientistas. Porém, eles não sabiam que as células cancerígenas poderiam recorrer a ela para sobreviverem na ausência da glicose.
O achado foi possível graças a uma técnica chamada microarranjo fenotípico, que permite aos pesquisadores testarem milhares de características das células. Com isso, eles conseguiram examinar os nutrientes usados por elas ao longo do tempo, e observaram a presença da uridina.
As células quebravam a uridina em uma enzima chamada uridina fosforilase-1 (UPP1) para produzir uma forma de açúcar diferente, a ribose. Assim, elas continuavam crescendo, independentemente do fornecimento ou não de glicose, que é a fonte primária.
Os responsáveis pelo trabalho decidiram, então, bloquear o receptor da UPP1 em camundongos para observar como as células cancerígenas iriam se comportar. Nos testes, inativar o mecanismo impediu o uso da uridina e, com isso, o tumor parou de crescer em determinados locais.
“Em seguida, exploraremos maneiras de usar a uridina para monitorar as respostas terapêuticas existentes no câncer pancreático e, com sorte, desenvolver novos medicamentos direcionados ao UPP1. Esperamos que nossos esforços de pesquisa levem a novas estratégias de tratamento para pessoas diagnosticadas com câncer pancreático”, explica Sadanandam.
Durante o estudo, os cientistas analisaram ainda amostras de pacientes oncológicos e encontraram uma relação entre os níveis de UPP1 elevados e uma resposta clínica pior ao câncer. Isso foi observado também em outros tipos de tumores, sugerindo que a descoberta não é restrita ao adenocarcinoma ductal pancreático – forma de câncer do pâncreas mais letal.
“Esta é uma pesquisa muito elegante, que demonstra como poderíamos usar as táticas de crescimento do próprio câncer contra ele, para desenvolver tratamentos novos e muito necessários para pessoas com câncer pancreático. Este trabalho é extremamente novo, potencialmente muito impactante e realmente emocionante. Estamos muito esperançosos de que essas descobertas possam levar a tratamentos novos e aprimorados para o câncer de pâncreas no futuro”, avalia Chris Macdonald, chefe de pesquisa do Pancreatic Cancer UK, centro destinado ao tumor.
Fonte: O Globo