Caso de sífilis mais antigo foi o de criança morta há 9,4 mil anos em MG

Um grupo composto por cientistas brasileiros da Universidade de São Paulo (USP) descreveu o caso mais antigo de sífilis congênita já registrado até hoje entre humanos modernos. A doença foi detectada nos ossos e dentes de uma criança Homo sapiens morta há pelo menos 9,4 mil anos na atual região de Lagoa Santa (MG).

A descrição está presente em estudo publicado online em 2 de novembro na revista científica Journal of Osteoarchaeology. A equipe de autores da pesquisa é composta por bioarqueólogos, antropólogos, um dentista, um médico e um técnico em radiologia.

A criança, que morreu aproximadamente aos 4 anos de idade e foi exumada na caverna Lapa do Santo, apresentava diversas alterações ósseas e dentárias características da sífilis congênita, que ocorre quando o feto é infectado pela bactéria Treponema pallidum, transmitida por via placentária.

Apelidada de “sepultamento 20” (B20), a ossada da criança tinha alterações nos membros inferiores e superiores bastante sutis, podendo não ter sido notadas. Mas danos no crânio chamaram a atenção dos pesquisadores por dois motivos: ausência dos ossos nasais e lesões nas faces de ossos da calota craniana, reveladas por exames de raios-X e tomografias, mas também visíveis a olho nu.

Ossos longos do B20, fotografia e raios X dos dois fêmures. As setas brancas indicam as áreas alteradas pela sífilis — Foto: Rodrigo Oliveira et.al

Ossos longos do B20, fotografia e raios X dos dois fêmures. As setas brancas indicam as áreas alteradas pela sífilis — Foto: Rodrigo Oliveira et.al

“B20 apresenta algumas lesões ósseas e várias modificações dentárias que caracterizam a sífilis congênita”, concluem os pesquisadores no artigo. “As alterações ósseas estão presentes em seu fêmur esquerdo, ulna esquerda, e a maioria delas está em seu crânio”.

Os dentes de leite e permanentes da criança, que pertencia a um grupo de caçadores-coletores do início do Holoceno, também sugerem a presença de uma alteração patológica sistêmica. As estruturas dentárias apresentavam alta prevalência de cáries, modificações no esmalte dentário e ainda alterações anatômicas e morfológicas que comprovaram sobretudo o diagnóstico da sífilis.

Dentes permanentes da criança B20 apresentam alterações anatômicas comumente presentes em casos de sífilis congênita — Foto: Rodrigo Oliveira et.al

Dentes permanentes da criança B20 apresentam alterações anatômicas comumente presentes em casos de sífilis congênita — Foto: Rodrigo Oliveira et.al

Os pesquisadores discutiram os sinais encontrados no esqueleto da criança e compararam suas conclusões a trabalhos da literatura arqueológica, odontológica e médica internacional. Com isso, enxergaram a necessidade de convidar paleopatologistas a revisitarem coleções de esqueletos, sobretudo nas Américas, em busca de outros achados como o sepultamento B20.

Ossos cranianos do B20. Ausência dos ossos nasais e deformação do osso frontal (a), compatíveis com o “nariz emsela”, quadro clínico comum em casos de sífilis congênita. As alterações nas superficies externa (b) e interna (c) dos ossos parietais (setas vermelhas) são similares às lesões worm-like (ósseas serpentiformes), frequentes em casos da doença  — Foto: Rodrigo Oliveira et.al

Ossos cranianos do B20. Ausência dos ossos nasais e deformação do osso frontal (a), compatíveis com o “nariz emsela”, quadro clínico comum em casos de sífilis congênita. As alterações nas superficies externa (b) e interna (c) dos ossos parietais (setas vermelhas) são similares às lesões worm-like (ósseas serpentiformes), frequentes em casos da doença — Foto: Rodrigo Oliveira et.al

O grupo acredita que serão encontradas outras ocorrências tão ou até mais antigas que a da criança, ampliando o conhecimento sobre a evolução de doenças geradas por microrganismosTreponema, que nos acompanham há, pelo menos, 10 mil anos no continente americano.

Fonte: Revista Galileu

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