Covid-19: dois testes por semana reduzem surtos em empresas, mostra estudo

SÃO PAULO — O maior estudo feito até agora para avaliar a eficácia de programas de triagem para prevenir Covid-19 em ambientes de trabalho constatou que um esquema de testagem de funcionários duas vezes por semana é capaz de impedir muitos surtos internos da doença.

Um projeto canadense que avaliou o uso de testes rápidos de antígeno em mais de 600 empresas ao longo de cinco meses conseguiu evitar que pelo menos uma pessoa infectada assintomática espalhasse o vírus entre colegas, mostra estudo publicado na revista “Science Avances”.

“Nós identificamos 604 casos presumidamente positivos entre o lançamento do programa em janeiro até junho, após o uso de 321.905 testes. Desses casos 473 foram confirmados por testes de PCR (para validação)”, relatam os pesquisadores no estudo.

Apesar de o esforço parecer grande, a maioria dos empresários que colocaram suas empresas no programa de testagem se disseram satisfeitos com os resultados, porque o investimento feito compensou potenciais horas perdidas de trabalho que ocorreriam no caso de afastamentos. O estudo não divulgou valores de custo benefício, porque eles variam de acordo com salário médio de funcionários.

Grande escala

O custo real do programa não é apenas o do kit de testagem, porém, porque requer toda a organização para execução e registro dos resultados. Mas, no caso das empresas canadenses, parte desse outro custo foi abatido, porque todo o desenho do programa de triagem foi feito por um consórcio, o CDL RSC (Creative Destruction Lab Rapid Screening Consortium). Os protocolos foram compartilhados junto com software de controle e outras ferramentas.

“Até agora, a testagem vinha sendo usada sobretudo para diagnóstico (de pessoas sintomáticas) e não para controle (incluindo assintomáticos). Nós descrevemos agora a primeira implementação em grande escala de um programa de triagem de alta frequência com antígeno”, escrevem os cientistas. “Mostramos que isso é viável.”

As empresas que aderiram ao consórcio tinham perfil muito diverso, algumas com mais de 10 mil funcionários, outras com menos de cem, em vários setores. O consórcio acomodou tanto programas de triagem com funcionários fazendo autotestes em casa quanto companhias que montaram pequenos postos de testagem em suas próprias instalações.

— Há benefícios em ambos os modelos. A conveniência da testagem em casa foi muito apreciada pelos empregadores e tornou a logística mais fácil. Alguns locais de trabalho, porém, preferiram ter a testagem in loco para verificação — conta a epidemiologista Laura Rosella, professora da Universidade de Toronto, líder do estudo que avaliou o programa.

A testagem duas vezes por semana foi apontada como suficiente porque cobre o período de incubação do vírus nas pessoas, que tipicamente varia de três a cinco dias.

A opção do teste de antígeno em detrimento do PCR, considerado o padrão-ouro no diagnóstico de Covid-19, não afetou a eficácia do programa, porque só um a cada 4.300 testes resultou em falso positivo, e mesmo assim os funcionários que eram identificados como portadores do vírus refaziam o exame com PCR. Como o resultado dos kits de antígeno saem mais rápido, na verdade, seu uso para triagem se revelou até adequado.

Segundo Rosella, a despeito do custo e de dificuldades iniciais para implementar o programa, o projeto teve um retorno muito evidente.

— Nós simulamos o impacto de prevenir mais infecções precocemente e vimos que quebrar cadeias de transmissão cedo, antes de um escritório ter diversos casos, é o que traz o maior benefício, porque os casos crescem exponencialmente num surto — diz.

Exemplos brasileiros

No Brasil, algumas empresas com mais recursos já vinham conduzindo programas de triagem para Covid-19 ocasionalmente. A JBS, a Embraer, a CCR, a 3M e a Janssen são exemplos de companhias que incluíram testes em seus protocolos.

Com o progressivo barateamento dos testes, porém, e a aprovação de kits para autotestagem no Brasil, políticas de triagem devem passar a ser mais interessantes para empresas de porte menor.

Uma especialista brasileira consultada pelo GLOBO afirma que, apesar do sucesso canadense, adotar no Brasil programas no mesmo modelo pode implicar em desafios extra.

— É necessário fazer a adaptação para realidades diversas. Por exemplo, a triagem pode dar uma falsa sensação de proteção e incentivar o abandono de outras medidas de proteção — diz Sylvia Lemos Hinrischsen, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). — Há necessidade primeiro de se discutir modelos como esse com as empresas e com o próprio SUS.

Rosella, porém, defende que, como em outros casos em saúde pública, a adoção de triagem é um caso clássico em que a prevenção sai mais barato que a reação, mesmo quando não se leva em conta o custo humano de deixar as pessoas doentes e sob o risco de morte.

— Uma coisa importante também é notar que os custos de programas de triagem diminuem depois da fase de treinamento e produção de materiais de apoio. — conta. — Depois disso o custo se resume essencialmente ao preço dos testes.

Para Hinrichsen, da SBI, no fim das contas, porém, é preciso considerar caso a caso e considerar vulnerabilidades antes de implantar um modelo de testagem.

— Para se implantar testagem, deve haver um estudo de cada empresa onde são considerados benefícios, custos e riscos de todos os pontos, comparando com as outras medidas de prevenção — diz. — No momento atual, sobretudo, não podemos simplesmente substituir as medidas que estão em prática só com a testagem.

O Globo

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