Covid-19: pesquisadores analisam os impactos do vírus na dinâmica sanguínea

[Rio de Janeiro] – Um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo cruz (IOC/Fiocruz) e pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em colaboração com hospitais e centros de pesquisa do Rio de Janeiro, traz novas informações que ajudam a entender uma das complicações mais graves e frequentes observadas em pacientes com Covid-19 hospitalizados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Publicado na Blood, principal revista científica internacional na área de hematologia e coagulação, o trabalho volta os olhos para os impactos do vírus no sangue e chama atenção, em especial, para as plaquetas, células fundamentais para o processo de coagulação.

Embora o coronavírus afete principalmente os pulmões, evidências anteriores já haviam mostrado que, nos casos graves, a Covid-19 também altera os processos de coagulação sanguínea. Frequentemente, esses pacientes apresentam uma coagulação exagerada, com formação de agregados de células sanguíneas e proteínas, que são chamados de trombos. A formação de trombos pode interromper a circulação, provocando trombose, infartos ou embolia pulmonar, o que está associado a casos mais graves e, inclusive, a casos fatais.

“Na beira do leito, os profissionais de saúde estão acompanhando a evolução dos casos graves e atentos aos eventos trombóticos. Nosso estudo se dedicou a entender como, nestes pacientes, o vírus interfere nas etapas iniciais da cascata de processos que deflagram a coagulação. Processos, estes, em que as plaquetas atuam de forma importante”, sintetiza Eugênio Hottz, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pesquisador colaborador do Laboratório de Imunofarmacologia do IOC e primeiro autor do trabalho.

Para investigar os mecanismos envolvidos nesse processo, os pesquisadores analisaram e compararam amostras de sangue e do trato respiratório de pacientes com diferentes apresentações da Covid-19, incluindo pacientes com quadros graves, que precisaram ser internados em unidades de terapia intensiva (UTIs), pacientes com manifestações leves e pessoas assintomáticas. Amostras de voluntários saudáveis também foram incluídas no estudo para comparação.

As análises realizadas por técnicas de citometria de fluxo e de microscopia tiveram o objetivo de identificar, nas diferentes amostras, quais alterações poderiam ser observadas nas plaquetas e na cascata de ativação de fatores que levam à coagulação, o que acontece no nível das moléculas. Amostras foram coletadas dos pacientes no início da hospitalização e os mesmos foram acompanhados durante toda a internação, para que a evolução do caso no hospital pudesse ser associada aos achados do laboratório, do ponto de vista dos impactos do vírus para a dinâmica sanguínea.

De acordo com os experimentos, nos pacientes com formas graves de Covid-19 houve aumento na ativação das plaquetas e foi observada uma forte agregação entre plaquetas e monócitos, células que atuam na defesa contra infecções – o que não ocorreu nas amostras dos pacientes com manifestações leves ou nos casos assintomáticos. Os pesquisadores conseguiram mapear duas moléculas que atuam fortemente neste processo de adesão entre plaquetas e monócitos: as moléculas CD62P e αIIb/β3. Além disso, foi constatado que a ativação das plaquetas induz os monócitos a expressarem uma proteína, chamada de fator tecidual, o que inicia todo o processo de coagulação.

Comparando os resultados obtidos em laboratório com o desfecho dos casos dos pacientes que foram acompanhados ao longo do estudo, tanto os níveis de ativação plaquetária quanto os níveis de expressão do fator tecidual nos monócitos estiveram diretamente associados à gravidade do quadro clínico e ao prognóstico da doença, com maior possibilidade de evolução para ventilação mecânica e também para óbito naqueles com maior ativação. “Nossos resultados indicam que a ativação das plaquetas e sua associação com monócitos, com formação de agregados plaquetas-monócitos, são importantes para o disparo da coagulação sanguínea”, afirma a pesquisadora Patricia Bozza, chefe do Laboratório de Imunofarmacologia do IOC e coordenadora do estudo.


Arte: Jefferson Mendes

Dois apontamentos fundamentais decorrem das novas evidências encontradas pela equipe de Patricia e Eugênio. O primeiro deles é a possibilidade de que o acompanhamento dos níveis de ativação plaquetária entre pacientes internados possa servir como uma espécie de “sinalizador” de que um determinado indivíduo tem mais chances de evoluir para uma forma desfavorável, o que pode ser um elemento importante para a tomada de decisão pela equipe médica, com determinadas condutas a serem adotadas. O segundo apontamento decorrente dos achados é que, conhecendo as moléculas envolvidas na adesão entre plaquetas e monócitos durante a infecção pelo novo coronavírus, medicamentos já disponíveis para inibição de plaquetas podem vir a ser testados como alternativas terapêuticas.

“Nossos resultados mostram que ocorre ativação de plaquetas nos casos graves de Covid-19. Ainda não sabemos se a ativação das plaquetas causa agravamento do quadro ou se esta ativação é apenas mais um dos muito processos envolvidos na infecção pelo vírus. De qualquer modo, monitorar a ativação das plaquetas como um marcador para indicar um potencial de agravamento já é uma conclusão obtida na bancada do laboratório que pode vir a ser adotada no manejo clínico”, Eugênio resume.

O trabalho sugere que a grande liberação de mediadores inflamatórios no plasma de pacientes em casos graves de Covid-19 pode ser uma das causas da maior ativação das plaquetas nessas pessoas. Também aponta que a inibição de moléculas que atuam no processo de adesão e sinalização entre plaquetas e monócitos pode interromper a expressão do fator tecidual, apontando possíveis caminhos para a busca de terapias. Neste sentido, o anticorpo monoclonal Abciximab, que já é largamente utilizado para evitar a formação de trombos após cirurgias, foi uma das substâncias testadas com sucesso nos ensaios in vitro. “Esses resultados abrem possibilidade de continuarmos a investigação para identificar terapias capazes de atuar nos eventos de ativação plaquetária na Covid-19”, declara Patricia.

“Desde o início da pandemia, têm sido relatadas alterações de coagulação, especialmente com eventos trombóticos em pacientes graves. Esta é uma preocupação de todas as equipes que tratam de pacientes com Covid-19 grave. Identificar os fatores que causam estas alterações é fundamental para se estabelecer novas terapias para estes pacientes. A colaboração entre grupos de pesquisa básica e de pesquisa clínica foi fundamental para responder a estas questões”, sintetiza o pesquisador Fernando Bozza, que atua no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e no Instituto D’Or.

 

Pesquisa translacional e colaborativa

Com experiência em estudos sobre resposta tromboinflamatória, o Laboratório de Imunofarmacologia do IOC tem se debruçado principalmente sobre as arboviroses e realizou achados importantes relacionados ao papel das plaquetas na dengue grave nos últimos anos. A partir da emergência da Covid-19, a equipe uniu esforços a cientistas de diferentes instituições para realizar um estudo translacional, integrando dados clínicos e de bancada, em busca de respostas.

“O caráter translacional da pesquisa se deve à formação de uma equipe multidisciplinar, envolvendo diferentes instituições de pesquisa e hospitais. Isso nos permitiu realizar uma avaliação precoce de amostras obtidas de pacientes, identificar os perfis celulares e correlacionar os achados laboratoriais com os aspectos clínicos. É essa abordagem translacional, multidisciplinar e multicêntrica que nos permite associar a informação do laboratório ao que está ocorrendo na clínica”, destaca Eugênio Hottz.

Além do IOC e da UFJF, participaram da pesquisa o Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. O trabalho foi financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Programa Inova Fiocruz, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Instituto D’Or.

Por: Maíra Menezes 

Fonte: FIOCRUZ

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