Cuidados odontológicos na UTI podem reduzir risco de morte durante a hospitalização

A cavidade bucal é uma das principais portas de entrada de vírus, bactérias e outros microrganismos no corpo humano. Pesquisadores da Faculdade de Medicina (FMRP) e da Escola de Enfermagem (EERP), ambas da USP em Ribeirão Preto, comprovaram que a adequada higiene bucal associada ao tratamento odontológico de pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pode reduzir o risco de morte durante a hospitalização.

O estudo foi realizado em duas UTIs do Hospital das Clínicas da FMRP, sendo uma delas uma UTI geral clínico-cirúrgica, que recebe pacientes com doenças crônicas descompensadas ou em pós-operatório, e outra uma UTI especializada em emergências, que atende pacientes que sofreram politraumatismo ou infecções graves.

A intervenção odontológica foi realizada em 2019 e a análise comparativa dos dados retroativos foi de 2016, 2017 e 2018 nas mesmas unidades. “É um tipo de pesquisa que avalia se a implementação de uma intervenção modifica a tendência de um desfecho de interesse, comparativamente ao observado anteriormente à implementação da intervenção, na mesma população”, explica Wanessa Teixeira Bellissimo Rodrigues, dentista com pós-doutorado pela FMRP.

“Na UTI clínico-cirúrgica, a mortalidade caiu de 36,28% para 28,52% após a intervenção, o que significa uma redução relativa de 21,4%. Entretanto, essa queda não foi uniforme entre as unidades, já que na UTI de emergência a redução não foi estatisticamente significativa”, explica Wanessa. Os pesquisadores apontam que uma possível explicação para a diferença dos resultados entre as UTIs de estudo esteja na diferença do perfil dos pacientes atendidos.

Intervenções na saúde bucal

No período de 2016 e 2018, o procedimento padrão do HCFMRP era de higiene bucal com limpeza três vezes ao dia com swab ou espátula envolta em gaze com solução de clorexidina feita pela equipe de enfermagem.

Na UTI clínica cirúrgica os pacientes recebiam visitas de dentistas de acordo com as necessidades, como remoção de dente comprometido ou drenagem de abcessos, por exemplo. Já na emergência, os profissionais prestavam os mesmos cuidados, mas apenas quando a equipe de enfermagem solicitava.

“Antes de iniciar o estudo em 2019, os profissionais de enfermagem da UTI foram capacitados pela equipe odontológica para promover adequada limpeza mecânica da cavidade bucal, com base em um novo protocolo. Este protocolo foi elaborado pelo nosso grupo de pesquisa, em parceria com o Serviço de Odontologia e a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da instituição. Nos baseamos em técnicas específicas desenvolvidas e testadas ao longo dos últimos dez anos”, conta Wanessa.

Já durante o ano de 2019, o grupo de pesquisadores passou a adotar o novo processo de assistência odontológica horizontal, ou seja, os pacientes foram seguidos durante todo o período de permanência na UTI, da internação até a alta, por dentistas. Além disso, continuavam recebendo a limpeza diária da equipe de enfermagem.

Entre os procedimentos realizados pelos dentistas estão higiene da cavidade bucal dos pacientes, tratamento de doenças periodontais, restaurações provisórias de cárie e extração de dentes sem condições de serem restaurados e que apresentassem risco ao paciente.

“A frequência dos atendimentos pela equipe de dentistas estava atrelada à demanda de cuidados odontológicos individuais dos pacientes, sendo que cada um deles recebia ao menos três atendimentos por semana, com duração média de 40 minutos”, conta a cirurgiã-dentista.

O artigo descrevendo a pesquisa, Impact of a dental care intervention on the hospital mortality of critically ill patients admitted to intensive care units: a quasi-experimental study financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi publicado no American Journal of Infection Control (Ajic).

Riscos de infecção pela ventilação mecânica

Fernando Bellissimo Rodrigues – Foto: Reprodução/Fapesp

Uma pessoa saudável realiza um processo diário de filtragem do ar que inala, porque nosso epitélio (tecido que reveste nossa pele e cavidades) possui cílios e muco que barram ou expelem a entrada de impurezas, bactérias e outros microrganismos. Isso acontece quando tossimos ou espirramos, por exemplo.

Já no paciente em ventilação mecânica, o processo é impedido por causa da presença do tubo orotraqueal. “Se a cavidade bucal possuir uma grande concentração de bactérias, o risco dessas bactérias migrarem para o pulmão, causando pneumonia, é muito grande. E o risco aumenta tanto quanto se prolonga a ventilação mecânica. Por isso a importância de promover a adequada higiene bucal desses pacientes”, explica o professor Fernando Bellissimo Rodrigues, da FMRP e coordenador do estudo.

Dentista atuando na UTI

Apesar de comprovar a importância do dentista na UTI, os procedimentos em pacientes internados com ventilação mecânica devem ser feitos com atenção redobrada. Dessa forma, os pesquisadores apontam a importância de os profissionais serem capacitados e receberem treinamentos em cursos de especialização ou residência.

“A busca por aprimoramento é muito importante porque os pacientes atendidos em UTI apresentam um grau de complexidade sistêmica muito superior àqueles atendidos em consultórios. Portanto, o profissional tem que estar devidamente treinado para que seu atendimento os auxilie na recuperação da saúde, sem lhes causar qualquer prejuízo”, afirma Wanessa.

Embora a equipe de Ribeirão Preto seja pioneira na demonstração científica dos benefícios associados à inclusão do cirurgião-dentista na equipe de UTI, eles não foram os primeiros a lançar mão desta estratégia. “Fomos inspirados a iniciar essa linha de pesquisa ao conhecer o trabalho desenvolvido há muitos anos pela dentista Teresa Márcia N. de Morais, na Santa Casa de Barretos”, finaliza o professor Bellissimo.

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