Em alta no Brasil, dengue tem sintomas que se confundem com Covid-19

SÃO PAULO — Dados do Ministério da Saúde, do boletim InfoDengue da Fiocruz e das secretarias municipais e estaduais de saúde indicam que o Brasil corre grande risco de enfrentar uma epidemia de dengue este ano. Em anos sem pandemia, epidemias de dengue já representam um fardo para o sistema de saúde. Diante da nova onda de Covid-19 causada pelo avanço da Ômicron, o temor é que haja uma pressão ainda maior em um setor que já está sobrecarregado. Além disso, há preocupação em relação ao diagnóstico, já que dengue e Covid-19 podem ter sintomas semelhantes.

O úlltimo boletim do governo federal revelou que em janeiro deste ano foram registrados 40.127 casos de dengue no país. O número é 48,1% maior que no mesmo período do ano passado.

Para o infectologista Antônio Carlos Bandeira, coordenador do serviço de infectologia do Hospital Aeroporto, na Bahia, e professor de infectologia da UniFTC Salvador, há risco real de uma epidemia da doença no Brasil. Três fatores contribuem para isso: a intensa quantidade de chuva, a própria periodicidade da doença e a circulação simultânea de dois sorotipos de dengue.

— A cada três anos vemos um aumento mais significativo de casos de dengue. Em 2016 registramos muitos casos, depois dem 2019, então 2022 estaria na mira. Também temos os sorotipos 1 e 2 circulando na maior parte do país, isso aumenta ainda mais o risco de contaminação — explica Bandeira.

É dengue ou Covid?

Os sintomas mais comuns das doenças — alguns são muito semelhantes

 

 

 

 

 

Regiões em alerta

De acordo com o Ministério da Saúde, a região que apresentou a maior taxa incidência de dengue no mês de janeiro foi a Centro-Oeste, seguida das regiões Norte, Sudeste, Sul e Nordeste.

Indicadores do InfoDengue, sistema de monitoramento de arboviroses desenvolvido pela Fiocruz e pela FGV, vão na mesma linha. Segundo monitoramento, encontram-se atualmente em situação de atenção: o noroeste do estado de São Paulo, a região entre Goiânia (GO) e Palmas (TO), passando pelo Distrito Federal e alguns municípios isolados da Bahia, Santa Catarina e Ceará.

— Estamos preocupados com as chuvas e com a notificação mais alta e precoce de casos da doença na parte central do país, diferente do observado em anos anteriores. É como se houvesse um aumento antecipado de casos. AInda não está muito alto, mas está em um processo de crescimento rápido — destaca a pesquisadora da Fiocruz Cláudia Codeço, que coordena o InfoDengue.

O Distrito Federal registrou aumento de 212% de casos de dengue nas duas primeiras semanas de janeiro, em comparação com o ano anterior. A Secretaria de Saúde do Distrito Federal emitiu um alerta para o aumento do índice de infestação de focos do Aedes aegypti, transmissor da doença. Goiânia registrou 3.700 casos prováveis de dengue, com taxa de incidência de 240,9. Em comparação com a última semana de janeiro de 2021, houve um aumento de 930,6%.

De acordo com o Infodengue, no mês de janeiro, o estado de São Paulo registrou 11.955 casos da doença. Na última semana do mês, 10 cidades estavam em situação de epidemia para a doença.

Na capital paulista, os casos de dengue cresceram mais de 260% em 2021 em relação a 2020. O número de casos de dengue notificados este ano no município ainda é inferior ao mesmo período do ano passado. Entretanto, especialistas alertam que a pior época de transmissão da doença é justamente agora

— A dengue é uma doença endêmica no Brasil, ao contrário da Covid. Por isso ela tem um período sazonal. Os casos começam a aumentar no final de dezembro e isso vai até abril — explica o infectologista professor de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Julio Croda.

Além disso, a doença costuma seguir um padrão de transmissão no país, do oeste para o leste.

— Por isso vemos epidemias no Nordeste mais para o meio do ano — complementa Codeço.

De forma surpreendente, outra área de atenção apontada no boletim da Fiocruz é a região Sul, que não costuma ter surtos da doença. O estado mais crítico é Santa Catarina. A capital Florianópolis e a cidade de Joinville, que tem o maior PIB do estado, já enfrentam epidemias de dengue.

Os especialistas acreditam que isso esteja associado a condições climáticas favoráveis, como as temperaturas acima da media na região, e à adaptação do mosquito.

— O que a gente vê é que o mosquito vai se adaptando a novas situações. Ele demora para se aclimatar e colonizar um lugar sem condições adequadas, mas uma vez que o mosquito se estabelece, a dengue chega logo depois — destaca a coordenadora do InfoDengue.

Outras capitais que estão em alerta são Porto Alegre e Belo Horizonte. Embora ainda não haja aumento da incidência da doença, as autoridades de saúde locais identificaram muitos focos de infestação do Aedes aegypti.

Os especialistas ainda alertam para a disseminação de outras arboviroses transmitidas pelo mosquito, em especial a chikungunya. A doença está particularmente ativa na região Nordeste.

Sintomas semelhantes

A dengue é uma doença febril aguda sistêmica causada por um vírus da família Flaviviridae. Os sintomas incluem febre, dores de cabeça e no corpo, cansaço e mal-estar. O problema é que essas também costumam ser manifestações apresentadas por pessoas com Covid-19.

Há um ponto fundamental que diferencia as duas.

— Pacientes com dengue nao têm sintomas respiratórios — afirma Bandeira.

Croda também recomenda avaliar o paciente de acordo com o contexto de cada região, para entender se existe maior probabilidade de uma das doenças. Porém, apenas um exame de diangóstico poderá oferecer um diangóstico preciso e isso é fundamental.

— Tanto a Covid quanto a dengue são doenças que requerem ações rápidas para poder evitar o agravamento — ressalta Codeço.

Proliferação do mosquito

A dengue, assim como a zika e a chikungunya, é transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti. Esse vetor se prolifera em ambientes quentes e úmidos, o que torna o período de verão extremamente favorável à sua disseminação.

A melhor forma de prevenir essas arboviroses é conter a proliferação do mosquito transmissor, eliminando os criadouros. A fêmea do Aedes aegypti deposita seus ovos na superfície de água limpa e parada. Então é fundamental acabar com possíveis reservatórios, que incluem vasos de plantas, pneus velhos, latas e garrafas vazias, calhas, caixas d’água, piscinas abandonadas entre outros.

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Esse controle é feito não só pelos moradores das residências, mas pela vigilância dos municípios. Acredita-se que a pandemia pode ter contribuído para o aumento de focos da doença, já que praticamente toda a estrutura de saúde foi direcionada para combater a Covid-19.

Mosquiteiros e repelentes, além de roupas que protejam os braços, pernas e áreas expostas do corpo, também são formas de evitar a picada do inseto transmissor.

Porém, para o infectologista Antônio Bandeira, a única forma de reduzir o fardo da dengue no Brasil e de fato controlar a doença é agilizar o desenvolvimento e a aprovação de vacinas.

— O Aedes aegypti é de difícil controle. As vacinas estão mudando a história natural da Covid e elas também podem mudar a história natural da dengue e da chikungunya. Temos uma vacina em desenvolvimento pelo Instituto Butantan. Precisamos acelerar isso e sua aprovação — finaliza.

 

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