Fiocruz e Microsoft desenvolvem inteligência artificial para exame da hanseníase

Cientistas brasileiros e estrangeiros desenvolveram um assistente de diagnóstico, baseado em inteligência artificial, que pode ajudar médicos a identificar casos suspeitos de hanseníase.

A inovação é fruto de uma parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a Microsoft e a Fundação Novartis. Chamada de AI4Leprosy, a tecnologia indica a probabilidade da doença a partir de fotos das lesões na pele dos pacientes e de dados clínicos observados pelos médicos.

A probabilidade de acerto é de mais de 90% dos casos nos testes realizados. Os resultados obtidos pela tecnologia foram publicados em um artigo na revista científica The Lancet Regional Health – Americas.

“Nosso estudo prova que é possível chegar à suspeição do diagnóstico de hanseníase com um algoritmo de inteligência artificial. Essa ferramenta pode apoiar a decisão do médico de iniciar a investigação, acelerando a confirmação do diagnóstico e o início do tratamento, que é fundamental para interromper a transmissão da doença e prevenir sequelas”, afirmou pesquisador Milton Ozório Moraes, do Laboratório de Hanseníase da Fiocruz.

Pandemia levou à redução nos diagnósticos

A pandemia de Covid-19 impactou diretamente no diagnóstico de novos casos de hanseníase, no Brasil e no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a queda global na detecção de novos casos foi de 37% em 2020.

No Brasil, segundo país com o maior número de novos casos no mundo, atrás apenas da Índia, um levantamento da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) apontou redução de 35% nos registros em 2020 e de 45% em 2021, em relação a 2019.

Dados preliminares divulgados pelo Ministério da Saúde em janeiro apontam que o Brasil diagnosticou 15.155 novos casos de hanseníase em 2021, índice abaixo do registrado em 2020, de 17.979 casos.

Desenvolvimento da tecnologia

Para desenvolver o assistente virtual para diagnóstico da hanseníase, os pesquisadores utilizaram um tipo de algoritmo de reconhecimento de imagens que tem sido aplicado no apoio ao diagnóstico do melanoma, uma forma de câncer de pele.

A tecnologia tem como base a capacidade do computador de distinguir variações sutis nas imagens. “A inteligência artificial pode enxergar mais do que o olho humano. Para o computador, cada ponto da imagem é um bit, traduzido em um número. Uma pessoa sem treinamento pode não perceber a diferença entre duas cores muito próximas, mas quando o computador transforma essas cores em números, ele ‘vê’ uma diferença clara. É com base nisso que podemos treinar a máquina para tentar fazer um diagnóstico diferencial”,  explica um dos autores do estudo, Paulo Thiago Souza Santos, doutor em oncologia com ênfase em bioinformática.

Para contemplar as diversas formas da hanseníase, os cientistas adaptaram a metodologia para aumentar a precisão do algoritmo.

“O melanoma é uma lesão única e escura. O diagnóstico diferencial é feito com poucas doenças dermatológicas de apresentação semelhante. Já a hanseníase tem muitas caras, muitas formas de manifestação. O número de doenças parecidas é grande. Desde o início da pesquisa, pensamos que isso seria um desafio e buscamos alternativas para aumentar a precisão do algoritmo”, aponta a dermatologista e pesquisadora da Fiocruz, Raquel Barbieri.

O projeto contou com o suporte de um grande banco de imagens de lesões, utilizado para treinar o sistema a diferenciar a hanseníase de outras doenças de pele. Ao todo, foram registradas 1.229 fotografias referentes a 585 lesões, incluindo tantos casos confirmados de hanseníase quanto doenças com apresentações semelhantes.

Os cientistas também desenvolveram um modelo de inteligência artificial capaz de combinar o reconhecimento de imagens com a análise de dados clínicos dos pacientes. Os testes realizados apontaram dez características principais para estabelecer a probabilidade da doença.

Enquanto a perda da sensibilidade térmica na lesão e alterações de sensibilidade nos pés foram associadas à alta probabilidade de hanseníase, outro sintoma, como a coceira, que está mais presente em outras enfermidades dermatológicas, foi associada a uma menor chance da doença.

Segundo a Fiocruz, a etapa de validação da tecnologia deve ampliar ainda a área geográfica da pesquisa, contemplando regiões urbanas e rurais na Ásia e na África, de forma a avaliar o sistema em diferentes contextos.

Sobre a hanseníase

A hanseníase é causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae, que afeta principalmente nervos periféricos e a pele. As complicações da doença podem levar a incapacidades físicas, principalmente nas mãos, pés e nos olhos.

Os principais sintomas são manchas (brancas, avermelhadas, acastanhadas ou amarronzadas), alteração da sensibilidade térmica e do tato. Alguns pacientes apresentam áreas com diminuição dos pelos e do suor, sensação de formigamento ou fisgadas, diminuição ou ausência da sensibilidade e perda da força muscular.

O diagnóstico tardio aumenta as chances de complicações pela doença e favorece a transmissão do agravo. O contágio acontece quando uma pessoa com hanseníase sem tratamento elimina a bactéria no ambiente, infectando outras pessoas suscetíveis.

A eliminação da bactéria ocorre pelas vias aéreas superiores (por meio do espirro ou tosse), e não pelos objetos utilizados pelo paciente. Além disso, para que o contágio aconteça, é necessário um contato próximo e prolongado.

O tratamento é realizado a partir da combinação de antibióticos, a chamada poliquimioterapia.

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