Inteligência artificial pode ajudar a aumentar segurança do parto

Nos últimos anos, diversas ferramentas de inteligência artificial têm sido desenvolvidas para melhorar e personalizar o atendimento na área da saúde de forma geral. Em estudo publicado recentemente na revista científica a PLOS ONE, pesquisadores da Mayo Clinic, um centro de pesquisa médica sem fins lucrativos nos Estados Unidos, mostram que um modelo de diagnóstico baseado em inteligência artificial pode ajudar a prever, durante o trabalho de parto, o risco de complicações de um parto normal. De acordo com os pesquisadores, isso pode ajudar a evitar consequências perigosas para mulheres e recém-nascidos.

 

 

— Essa ferramenta pode ajudar a evitar cesáreas desnecessárias porque vai mostrar que se aquela mulher tem alta probabilidade de sucesso de um parto vaginal, não há necessidade nem justificativa de fazer uma cesárea. Por outro lado, também vai ajudar a alertar as pessoas que estão cuidando daquela mulher que algo não está indo bem e que uma intervenção pode ser necessária — explica o médico Abimbola Famuyide, ginecologista obstetra da Mayo Clinic e autor sênior do estudo.

Quando a gestante chega ao hospital em trabalho de parto, os médicos iniciam um monitoramento para determinar se ela irá precisar de algum tipo de intervenção para dar à luz àquele bebê. Segundo Famuyide, em geral, de cada 100 mulheres em trabalho de parto, cerca de 80 não vão precisar de ajuda. As demais, precisarão de algum suporte, que pode incluir desde a administração de ocitocina até uma cesárea.

 

 

Saber o momento certo de agir, reduz o risco de complicações na mãe e no bebê como hemorragia, infecção e anóxia neonatal, condição em que há redução ou privação da oferta de oxigênio para o bebê. Atualmente, o principal recurso utilizado pelos médicos para avaliar se o trabalho de parto está dentro dos padrões considerados normais é o partograma. Um documento baseado em fatores como dilatação cervical com o passar das horas, frequência das contrações e batimentos cardíacos fetais.

Entretanto, esse método começa a ser questionado. Além de ser uma escala generalizada, ele não considera todos os fatores que podem afetar o andamento do trabalho de parto. Uma revisão feita pela Cochrane concluiu que o uso da ferramenta não teve efeito sobre resultados adversos, como a taxa de cesarianas não indicadas. Outro ponto é que o aumento no número de cesáreas nas últimas três décadas não foi acompanhado por uma redução proporcional na mortalidade de mães e bebês.

 

 

Segundo Ricardo Tedesco, professor titular de obstetrícia da Faculdade de Medicina de Jundiaí e membro da Comissão Nacional Especializada de Assistência ao Aborto, Parto e Puerpério da Febrasgo, em condições fisiológicas normais, o parto vaginal sempre é a primeira alternativa. A cesárea está indicada apenas para situações onde esse parto vaginal possa representar risco para a mãe, o bebê ou os dois.

— Não há dúvida de que a cesárea salva vidas. Mas aumentar abusivamente essa intervenção não está mostrando um benefício direto — diz Tedesco.

Diante disso, há a necessidade de novas ferramentas que possam orientar os profissionais da saúde na assistência ao parto, para que eles não deixem de fazer algo necessário no momento certo, mas também, para que não façam algo desnecessário no momento errado.

 

 

É isso o que o novo algoritmo busca fazer: fornecer uma escala de risco personalizada, em tempo real. Para desenvolver o algoritmo, os pesquisadores incluíram mais de 700 desses fatores clínicos, observados durante mais de 66 mil partos realizados nos EUA. Esses fatores foram registrados tanto durante os exames iniciais, quando as gestantes foram admitidas, quanto durante o processo de trabalho de parto.

Por exemplo, inicialmente, fatores como quantidade de filhos, se a mulher já fez ou não uma cesárea anterior, idade, peso atual, peso antes de engravidar, altura, idade gestacional, pré-eclâmpsia e diabetes, fornecem um score inicial de risco. Ao longo do trabalho de parto, são inseridas outras informações, como dilatação cervical, frequência das contrações e batimentos cardíacos fetais.

 

Na admissão, os modelos usados ​​para prever resultados desfavoráveis ​​do trabalho de parto alcançaram uma sensibilidade de 0,69 e especificidade de 0,68. À medida que os pesquisadores incluíam variáveis ​​dinâmicas, determinadas pelo exame pélvico durante o trabalho de parto, essas taxas aumentavam progressivamente. Por exemplo, os dados gerados com uma dilatação cervical de 4 centímetros aumentaram a sensibilidade e especificidade para 0,70 e 0,72, respectivamente. Uma vez atingida a dilatação de 10 cm, os números subiram para 0,79 e 0,84,

— Essa é a mágica da inteligência artificial. Ela cria matemática e equações de correlacionamento de variáveis que antes pareciam não estar correlacionadas — avalia o médico Linus Pauling Fascina, gerente médico do departamento de Maternidade e Pediatria do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

O resultado indica, de forma personalizada, se o parto levará a um “resultado de trabalho desfavorável”, que pode ser desde a perda excessiva de sangue pela mãe até a possibilidade de o bebê ser colocado em ventilação mecânica após o parto. O score de risco da gestante também ajuda os médicos a entenderem onde está o problema e qual é a ação necessária. Por exemplo, iniciar a administração de ocitocina para acelerar o processo de parto, aumentar a dose do medicamento ou se preparar para uma cesárea de emergência.

 

O próximo passo é avaliar esse modelo em unidades de parto, em tempo real, e ver se sua eficácia se comprova na prática. Se tudo correr bem, a expectativa é que ele possa estar disponível para uso em até três anos.

Fascina ressalta que ferramentas semelhantes já estão em desenvolvimento por várias empresas. O próprio Hospital Albert Einstein desenvolveu uma ferramenta para avaliar o risco de anóxia neonatal, antes do início de trabalho de parto. A ideia é que esse tipo de ferramenta possa ajudar a melhorar o acesso e o cuidado à saúde em áreas remotas e com menos recurso.

— A aplicação desses dados pode ser útil para médicos e parteiras no mundo todo, para ajudar a facilitar um cuidado ideal de mulheres em trabalho de parto e seu bebê — afirma Famuyide.

Fonte: O Globo

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