Invisíveis da saúde: Fiocruz revela vulnerabilidade de 2 milhões de trabalhadores da linha de frente

A memória já distante, mas que provavelmente marcará livros de história, de médicos e enfermeiros sendo aplaudidos pela população durante o combate à pandemia pode não revelar a realidade completa vivida pelos profissionais que estão há mais de dois anos atuando na linha de frente. É o que indica um estudo inédito realizado pela Fiocruz que foca no contingente de mais de 2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, de nível técnico e auxiliar, que exercem atividades de apoio na assistência, no cuidado e no enfrentamento à Covid-19.

A pesquisa “Os trabalhadores invisíveis da Saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil” analisou as condições de vida, o cotidiano do trabalho e a saúde mental de um contingente formado por maqueiros, auxiliares de enfermagem, condutores de ambulância, técnicos de radiologia, agentes de saúde e profissionais de manutenção, de limpeza ou que atuam na cozinha e na administração dos estabelecimentos. Os resultados mostram que 80% deles vivem situação de desgaste profissional relacionado ao estresse psicológico, à sensação de ansiedade e ao esgotamento mental e 35,5% admitiem ter sofrido violência ou discriminação durante a pandemia, sendo que a maioria dessas agressões (36,2%) ocorreu no ambiente de trabalho. A falta de apoio institucional foi citada por 70% dos participantes do estudo.

O levantamento contou com a participação de 21.480 trabalhadores de 2.395 municípios de todas as regiões do país e é um subproduto de um estudo ainda mais amplo feito pela instituição, a pesquisa “Condições de trabalho dos trabalhadores da Saúde no contexto da Covid-19 no Brasil.”. Segundo a Fiocruz, o recorte apresentado descortinou a dura realidade de pessoas cujas vidas são marcadas pela ausência de direitos sociais e trabalhistas.

“As consequências da pandemia para esse grupo de trabalhadores são muito mais desastrosas. São pessoas que trabalham quase sempre cumprindo ordens de forma silenciosa e completamente invisibilizadas pela gestão, por suas chefias imediatas, pela equipe de saúde em geral e até pela população usuária que busca atendimento e assistência. Portanto, são desprovidos de cidadania social, técnica e trabalhista. Falta o valioso pertencimento de sua atividade e ramo profissional. A pesquisa evidencia uma invisibilidade assustadora e cruel nas instituições, cujo resultado é o adoecimento, o desestímulo em relação ao trabalho e a desesperança”, lamenta a coordenadora da pesquisa, Maria Helena Machado.

O estudo da Fiocruz aponta que 53% dos “invisíveis” da saúde não se sentem protegidos contra a Covid-19 no trabalho. O medo generalizado de se contaminar (23,1%), a falta, escassez e inadequação do uso de EPIs (22,4%) e a ausência de estruturas necessárias para efetuar o trabalho (12,7%) foram mencionados como os principais motivos de desproteção. Ainda de acordo com 54,4% dos trabalhadores, houve negligência acerca da capacitação sobre os processos da doença (Covid-19) e os procedimentos e protocolos necessários para o uso de EPIs.

As exigências físicas e mentais a que esses trabalhadores estão submetidos durante as atividades realizadas, como pressão temporal, interrupções constantes, repetição de ações e movimentos, pressão pelo atingimento de metas e tempo para descanso, foram consideradas muito altas por 47,9% deles. Além disso, 50,9% admitiram excesso de trabalho.

Perfil invisibilizado

As mulheres (72,5%) representam a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras “invisíveis” da saúde. São pretos/pardos 59%. A pesquisa mostra que 32,9% deles são jovens, com até 35 anos, e a maior parte (50,3%) encontra-se na faixa etária entre 36 e 50 anos. Embora sejam relativamente jovens, 23,9% admitiram ter comorbidade anterior à Covid-19, chamando a atenção para: 31,9% hipertensão; 15,1% obesidade; 12,9% doenças pulmonares; 11,7% depressão; e diabetes 10,4%.

Mais da metade (52,6%) trabalha nas capitais e regiões metropolitanas. O estabelecimento de atuação predominante são os hospitais públicos (29,3%), seguidos pela atenção primária em saúde (27,3%) e os hospitais privados (10,7%). Os resultados da pesquisa também revelam que 85,5% possuem jornada de trabalho de até 60 horas semanais, e 25,6% necessitam de outro emprego para sobreviver.

“Muitos deles declaram fazer atividade extra como pedreiro, ajudante de pedreiro, segurança ou porteiro de prédio residencial ou comercial, mototáxi, motorista de aplicativo, babá, diarista, manicure, vendedores ambulantes etc. É um mundo muito desigual e socialmente inaceitável” conclui a coordenadora do estudo.

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