Não há benefícios no consumo de vitaminas por adultos saudáveis, diz força-tarefa dos EUA; entenda

Durante anos, o uso de suplementos de vitaminas e minerais para fortalecer o corpo e prevenir doenças foi tratado na medicina ora como benéfico, ora como nocivo por sobrecarregar o organismo. Agora uma das mais amplas análises já realizadas sobre o assunto põe fim a essa gangorra afirmando que simplesmente não há benefícios comprovados na ingestão das substâncias por pessoas saudáveis e não gestantes para prevenção de doenças. Ou seja, produtos do tipo só devem ser indicados quando de fato houver deficiência do composto no organismo ou em casos específicos, como durante a gravidez.

 

A conclusão faz parte de uma nova orientação da Força-Tarefa do Serviços de Prevenção dos Estados Unidos (USPSTF), órgão consultor independente de saúde, divulgada nesta semana. O relatório, com base na análise de 84 estudos conduzidos sobre o tema – 52 deles apenas nos últimos oito anos –, constatou que “a evidência é insuficiente” para o uso dos suplementos como formas de prevenir doenças cardiovasculares, câncer e mortalidade no geral na população adulta.

— As pessoas têm essa ideia de que suplementar vitaminas além do necessário faz bem para saúde, o que não é verdade. Essa nova resolução é mais uma evidência para o que já sabemos: você indicar uma vitamina ou um mineral para quem não tem deficiência não muda nada — afirma o endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) Alexandre Hohl, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Um dos documentos que embasaram a divulgação das novas diretrizes foi um editorial publicado por cientistas da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, na revista científica JAMA Network, nesta terça-feira. Nele, os pesquisadores explicam que “na melhor das hipóteses, as evidências atuais sugerem que quaisquer benefícios potenciais de um multivitamínico (suplemento de diversas vitaminas) na redução da mortalidade provavelmente serão pequenos”.

 

Eles explicam, por exemplo, que um dos estudos mostra que, para uma mulher saudável de 65 anos, que tenha um risco de mortalidade de 8% até os 75 anos, ingerir um multivitamínico durante 5 a 10 anos reduziu essa probabilidade apenas para 7,5%, diminuição considerada irrelevante e que demonstra um baixo benefício em relação aos riscos.

“A força-tarefa não está dizendo ‘não tome multivitamínicos’, mas há essa ideia de que, se fossem realmente bons para você, já saberíamos”, explica o chefe de medicina interna geral da Universidade Northwestern Jeffrey Linder, um dos autores do editorial na JAMA, em comunicado.

Além disso, os pesquisadores alertam para problemas encontrados nos estudos, afirmando que “essa estimativa é baseada em evidências imperfeitas, é imprecisa e altamente sensível à forma como os dados são interpretados e analisados”.

 

‘Desperdiçando dinheiro’

 

“Os pacientes perguntam o tempo todo: ‘Que suplementos devo tomar?’ Eles estão desperdiçando dinheiro e se concentrando em pensar que deve haver um conjunto mágico de pílulas que os manterá saudáveis ​​quando todos deveríamos seguir as práticas baseadas em evidências de alimentação saudável e exercícios”, defendeu Linder.

Porém, embora o corpo de evidências sugira poucos benefícios para a maior parte da população, a USPSTF aponta no relatório que, segundo o último questionário nacional de saúde e nutrição do país, 52% dos adultos americanos relataram utilizar ao menos um suplemento.

No Brasil, dados da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais (Abiad) mostram que, em 2020, 59% das casas brasileiras tinham pelo menos uma pessoa consumindo vitaminas suplementares.

 

Hohl alerta que na maioria dos casos essa suplementação não é necessária, uma vez que é possível obter todos os nutrientes que o organismo precisa por meio da alimentação.

— Suplementar significa complementar algo que não está vindo da dieta, mas a maioria das pessoas que comem de maneira adequada vão ter todas as vitaminas necessárias. Somente aqueles com restrições alimentares ou com alguma doença que afete os níveis de vitaminas devem fazer avaliações nutricionais, porque podem ter um tipo carência. Porém, essas são exceções na população brasileira — afirma o ex-presidente da SBEM.

Aumento na procura e riscos

 

Segundo dados da empresa de consultoria e análise de mercado Grand View Research, no último ano, os americanos gastaram cerca de 50 bilhões de dólares em suplementos, movimentando uma indústria que investiu cerca de 900 milhões de dólares em estratégias de vendas.

No Brasil, dados da Abiad mostram que as vendas desse tipo de produto devem aumentar 12% neste ano em relação ao anterior, alcançando quase três bilhões de reais. Porém, embora pareçam inofensivas, há riscos ligados ao seu excesso, explica o professor de endocrinologia da UFSC.

— Um bom exemplo hoje em dia é a vitamina D, que está em alta. É verdade que muitas pessoas têm carência e de fato precisam repor. Porém, essa propaganda leva ao excesso de doses em casos desnecessários, o que gera um risco de intoxicação. E esse potencial tóxico do excesso dessas substâncias não é exclusivo da vitamina D — afirma Hohl.

Além disso, na recomendação da força-tarefa dos Estados Unidos, há uma orientação especificamente contra o uso de suplementos de betacaroteno em casos de não deficiência. Isso porque a análise dos estudos constatou um risco elevado para mortalidade, doenças cardiovasculares e câncer de pulmão na ingestão excessiva durante 4 a 12 anos.

— Um dos problemas hoje são os rótulos desses produtos, que omitem ou colocam substâncias que não estão ali de maneira adequada, o que é desafiador quando pensamos na saúde pública — alerta o endocrinologista da SBEM.

 

Quem deve buscar orientação especializada

 

Na resolução, a força-tarefa americana deixa claro que a ausência de benefícios é para pessoas saudáveis e não gestantes. Isso porque, entre mulheres grávidas, foram observados pontos positivos no consumo de suplementos em determinados casos, mesmo entre pessoas sem problemas de saúde.

“As pessoas grávidas devem ter em mente que essas diretrizes não se aplicam a elas. Certas vitaminas, como o ácido fólico, são essenciais para as gestantes terem um desenvolvimento fetal saudável. A maneira mais comum de atender a essas necessidades é tomar uma vitamina pré-natal”, explica Natalie Cameron, também autora do artigo na JAMA e pesquisadora da universidade americana, em comunicado.

Há ainda evidências que apontam para um benefício do ácido fólico em prevenir desfechos cardiovasculares durante a gravidez, analisados pelo órgão americano, porém Natalie destaca que ainda são necessários mais dados para entender se o componente de fato teria essa capacidade.

— Essa exceção é porque as gestantes são um universo separado, elas precisam de um aporte nutricional adequado para um ser humano em desenvolvimento. Em geral, as gestantes fazem algum tipo de suplementação por isso, mas sempre com orientação de um médico ou um nutricionista — explica Hohl, da SBEM.

Fonte: O Globo

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