Neuroprótese transforma em palavras os sinais neurais de paciente paralisado

Uma equipe multidisciplinar de médicos e engenheiros desenvolveu uma “neuroprótese de fala” que permitiu a um homem com paralisia severa se comunicar em frases.

O sistema traduz sinais do cérebro para o trato vocal diretamente em palavras, que aparecem como texto em uma tela.

A conquista veio depois de mais de uma década de esforços da equipe do neurocirurgião Edward Chang, da Universidade da Califórnia em San Francisco (EUA), para desenvolver uma tecnologia que permita que pessoas com paralisia se comuniquem mesmo que não consigam falar por conta própria.

“Até onde sabemos, esta é a primeira demonstração bem-sucedida de decodificação direta de palavras completas a partir da atividade cerebral de alguém que está paralisado e não consegue falar,” disse Chang. “Ela mostra uma forte promessa de restaurar a comunicação por meio do uso da maquinaria natural da fala do cérebro.”

Traduzindo sinais cerebrais em fala

Até agora, o trabalho no campo da neuroprotética da comunicação vinha se concentrando em restaurar a comunicação por meio de abordagens baseadas na ortografia, que consiste em digitar letras uma a uma para formar palavras e, então uma frase completa.

A equipe de Chang adotou uma abordagem diferente: A técnica consiste em traduzir os sinais cerebrais destinados a controlar os músculos do sistema vocal, o que permite trabalhar com palavras, em vez daqueles sinais neurais usados para mover o braço ou a mão para permitir a digitação. Essa abordagem explora os aspectos naturais e fluidos da fala, o que o torna promissor para uma comunicação mais rápida e orgânica.

“Com a fala, normalmente comunicamos informações em uma taxa muito alta, até 150 ou 200 palavras por minuto,” comparou Chang, observando que as abordagens baseadas na ortografia usando digitar, escrever ou controlar um cursor são consideravelmente mais lentas e trabalhosas. “Ir direto às palavras, como estamos fazendo aqui, tem grandes vantagens porque está mais próximo de como normalmente falamos.”

O progresso em direção a esse objetivo foi facilitado por pacientes submetidos à neurocirurgia para identificar as origens de seus ataques de epilepsia, quando são implantadas matrizes de eletrodos na superfície do cérebro. Esses pacientes, todos com fala normal, se ofereceram para ter suas gravações cerebrais analisadas para atividades relacionadas à fala.

Para traduzir essas gravações de sinais neurais em reconhecimento de fala de palavras completas, o pesquisador David Moses desenvolveu novos métodos para decodificação em tempo real desses padrões, além de incorporar modelos estatísticos de linguagem para melhorar a precisão.

Sinais neurais traduzidos em palavras

O primeiro participante do teste é um homem de 30 anos de idade que sofreu um derrame cerebral devastador há mais de 15 anos, que danificou gravemente a conexão entre seu cérebro e seu trato vocal e membros. Desde a lesão, seus movimentos são extremamente limitados, e ele se comunica usando um ponteiro preso a um boné para cutucar as letras em uma tela.

O participante trabalhou com os pesquisadores para criar um vocabulário de 50 palavras que a equipe pudesse reconhecer a partir da atividade cerebral usando os algoritmos de computador. O vocabulário – que inclui palavras como “água”, “família” e “bom” – foi suficiente para criar centenas de frases expressando conceitos aplicáveis ao cotidiano do paciente.

O sistema foi capaz de decodificar palavras a partir da atividade cerebral a uma taxa de até 18 palavras por minuto, com precisão de até 93% (mediana de 75%). Isso foi possível porque Moses usou um um modelo de linguagem semelhante ao que é usado por softwares de reconhecimento de voz e de mensagens de texto, permitindo implementar uma função de autocorreção.

“Ficamos emocionados ao ver a decodificação precisa de uma variedade de frases significativas,” disse Moses. “Mostramos que é realmente possível facilitar a comunicação dessa forma e que há potencial para seu uso em ambientes de conversação.”

Olhando para o futuro, Chang e Moses afirmam que vão expandir o estudo para incluir mais participantes afetados por paralisia severa e déficits de comunicação. A equipe já está trabalhando para aumentar o número de palavras no vocabulário disponível, bem como melhorar a velocidade da fala.

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