Ômicron: novos estudos identificam 115 sintomas da Covid longa

SÃO PAULO — À medida que aumentou o número de pessoas recuperadas da Covid-19, surgiu também um grande desafio para a ciência: desvendar a Covid longa. A condição, caracterizada por um conjunto de sintomas decorrentes da doença, que permanecem por pelo menos quatro semanas após a infecção, já acomete entre 10% a 30% dos infectados pelo novo coronavírus. A boa notícia é que novas pesquisas começam a mudar esse cenário e trazem indícios sobre o que pode estar por trás de sintomas duradouros e debilitantes provocados pela condição.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), alguns dos sintomas característicos da Covid longa são fadiga, falta de ar e disfunção cognitiva. Trabalhos recentes mostram um número crescente de sinais associados à condição. Estudo disponível na plataforma de pré-impressão Research Square, feito por pesquisadores do Reino Unido, identificou 115 sintomas persistentes relatados por pessoas recuperadas da Covid-19. Eles incluem: perda de olfato, espirros frequentes, dificuldade de ejaculação, redução na libido, falta de ar em repouso, fadiga, dor torácica, voz rouca e febre.

Para os médicos, ainda é um mistério prever quem vai desenvolver o problema. Mas já se sabe que alguns fatores parecem aumentar o risco. São eles: carga viral elevada no início da infecção, a presença de certos autoanticorpos (anticorpos que atavam o próprio organismo), reativação do vírus Epstein-Barr e diabetes tipo 2.

Possíveis causas

Os sintomas da Covid longa estão associados a danos causados pelo vírus em diversos órgãos e sistemas, incluindo pulmão, cérebro, sistema imunológico e circulatório. Uma das mais recentes hipóteses para explicar a persistência dessas manifestações é que o corpo ainda esteja lutando contra resquícios do coronavírus. Estudos indicam que o material genético do vírus pode permanecer incorporado em tecidos como intestinos e linfonodos por muitos meses. Se esses reservatórios virais ainda foram capazes de causar inflamação, isso poderia gerar sintomas como confusão mental e problemas gastrointestinais.

Outra explicação possível é o surgimento de uma resposta autoimune duradoura e prejudicial. Pacientes com Covid longa parecem ter o sistema imunológico danificado, em comparação com pacientes que não desenvolvem a condição. Estudos encontraram níveis surpreendentemente altos de autoanticorpos, aqueles que atacam erroneamente os organismo do paciente, nesses pacientes, meses após a infecção inicial. Uma terceira possibilidade é que a infecção pelo Sars-CoV-2 reative outros vírus que estão inativos no corpo do paciente, como o Epstein-Barr

Vale lembrar ainda que essas hipóteses não são excludentes. Para o médico Salmo Raskin, geneticista e diretor do Laboratório Genetika, de Curitiba, o mais provável é que não haja apenas uma causa. Por exemplo, é possível que a Covid longa de um paciente esteja associada a uma resposta autoimune, enquanto a de outro é causada por resquícios do vírus no organismo.

— Entender e identificar a causa pode ser fundamental para definir o melhor tratamento e também para tentar prevenir ou ao menos reduzir o risco do problema — diz Raskin.

Ele aponta ainda para a possibilidade de um componente genético que torne algumas pessoas mais suscetíveis à Covid longa.

As diferentes ações da Covid longa que tornam o corpo cansado Foto: Equipe de arte Infoglobo / NYT
As diferentes ações da Covid longa que tornam o corpo cansado Foto: Equipe de arte Infoglobo / NYT

Muito além do pulmão

Não é novidade que a Covid-19 afeta o sistema circulatório. Dessa forma, alguns sintomas da Covid longa podem ser resquícios disso. A fadiga severa, considerada a manifestação mais frequente da Covid longa, pode ser um deles. Estudos inficam que o cansaço pode estar associado a uma disfunção no sistema circulatório, que prejudica o fluxo de oxigênio para os músculos e outros tecidos, limitando a capacidade aeróbica da pessoa. Esse dano pode ser causado por uma inflamação crônica que danifica as fibras nervosas que ajudam a controlar a circulação ou por microcoágulos que persitem nos vasos, bloqueando os capilares que transportam oxigênio para os tecidos por todo o corpo.

A falta de ar, mesmo em pacientes sem problemas pulmonares aparentes, é outro sintoma frequente da Covid longa. Um estudo pequeno estudo, feito no Reino Unido, começa a desvendar esse mistério. Por meio de um teste específico de imagem, os pesquisadores descobriram que esses pacientes consomem oxigênio com menos eficiência do que as pessoas saudáveis, mesmo que a estrutura de seus pulmões pareça normal. Isso pode ser causado por microcoágulos nos tecidos pulmonares ou um espessamento da barreira que regula a absorção de oxigênio nos pulmões.

— Precisamos entender o que causa esse cansaço debilitante. Tem o aspecto cardiovascular, o aspecto muscular e o aspecto cognitivo, mas sozinhos, eles não explicam esse cansaço permanente e persistente — diz Linamara Rizzo Battistella, professora titular de fisiatria da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas (IMREA).

Diferentemente de outras doenças, os sintomas persistentes da Covid não são apresentados apenas por aqueles que desenvolveram quadros graves. Até pessoas com quadros leves apresentam cansaço e alterações neurocognitivas duradouras, incluindo dificuldade de concentração, depressão, alterações de memória e alteraçoes de sono.

Para Battistella, que também é idealizadora da Rede Lucy Montoro e atende pacientes com Covid longa, nunca uma infecção do pulmão foi tão devastadora como a Covid-19.

— Ela não é apenas uma infecção do pulmão. Aonde tiver sistema reticuloendotelial, o vírus vai. Ele navega pelo corpo e vai até o sistema nervoso — destaca.

Prevenção

O infectologista Leonardo Weissmann, do Instituto Emílio Ribas e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), ressalta que a forma mais eficaz para prevenir a Covid longa é prevenir a Covid-19, “através de vacinação, uso de máscara, distanciamento físico, higiene das mãos”.

Mas neste caso, a imunização teria um benefício extra. Uma revisão de 15 estudos realizada recentemente pela Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido (UKHSA) concluiu que a vacinação reduz o risco de desenvolver Covid longa. De acordo com o documento, pessoas que receberam duas doses da vacina da Pfizer-BioNTech, AstraZeneca ou Moderna, ou o imunizante de dose única da J&J, tinham cerca de metade da probabilidade de desenvolver sintomas duradouros de covid-19 em comparação com os não vacinados.

A revisão também mostrou que pessoas com Covid longa apresentaram melhora nos sintomas após a vacinação, em comparação com aquelas que não foram imunizadas.

O Globo

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