Pandemia: crianças passaram mais tempo em frente às telas, mas vocabulário enriqueceu

SÃO PAULO — Dois novos estudos confirmaram o que muitos pais e especialistas já suspeitavam: as crianças, mesmo as pequenas, passaram mais tempo em frente às telas durante a pandemia. Por outro lado, os estudos também revelaram que isso não impactou seu desenvolvimento linguístico. Inclusive, houve ganho de vocabulário nesse período. Mas, neste caso, o mérito não parece ser das telas e sim de outras atividades realizadas entre pais e filhos, como a leitura.

— Embora isso sugira que um isolamento relativamente curto não afetou negativamente a linguagem em crianças pequenas, devemos ser cautelosos ao assumir que isso se aplicaria em tempos normais ou em confinamentos mais longos, dadas as circunstâncias extraordinárias que as crianças e seus pais enfrentaram durante esse período — diz a professora associada Natalia Kartushina, da Universidade de Oslo, co-autora de um dos estudos, em comunicado.

Um consórcio internacional com pesquisadores de 13 países investigou o impacto das medidas de isolamento social impostas na primeira fase da pandemia, em 2020, em 2.200 crianças com idade entre 8 meses e 3 anos. Para isso, os pais das crianças preencheram, logo no início do lockdown, um questionário online contendo perguntas sobre a idade da criança, exposição a diferentes idiomas, número de irmãos e desenvolvimento de vocabulário.

No fim do confinamento, eles responderam um novo questionário sobre as atividades realizadas com seus filhos nesse período e a quantidade de tempo que as crianças passaram em frente às telas. Junto com o questionário inicial e final, os pais também preencheram uma lista de verificação de vocabulário padronizada, indicando o número de palavras que os filhos entendiam e falavam.

Mais tela e mais vocabulário

Um dos estudos, liderado pela Universidade de Oslo, avaliou o impacto das atividades realizadas durante o confinamento no desenvolvimento da linguagem dessas crianças. O trabalho foi publicado na revista Language Development Research. O outro, feito pela Universidade de Göttingen com o Instituto Max Planck de Psicolinguística em Nijmegen,ambos na Alemanham e a Universidade de Ciências Aplicadas e Artes da Suíça Ocidental, analisou o aumento do tempo de tela durante o lockdown e seu impacto no desenvolvimento da linguagem. O artigo foi publicado na revista Scientific Reports

Os resultados mostraram que durante o lockdown as crianças pequenas passaram mais tempo em frente às telas do costumavam fazer anteriormente. Na Espanha, por exemplo, duas em cada três crianças com menos de dois anos usaram smartphones e tablets diariamente durante o isolamento. Por outro lado, seu vocabulário aumentou mais do que o esperado para esse período, em comparação com os níveis pré-pandemia.

O mérito para o ganho de vocábulario não foi creditado às telas e sim à leitura. As crianças com maior exposição às telas aprenderam menos palavras do que seus pares com menos tempo de tela. Aquelas com maior ganho foram as que os pais tinham costume de ler para elas com mais frequência.

Esses resultados vão ao encontro de recomendações e evidências anteriores que afirmam que os pais devem estimular o desenvolvimento da linguagem de crianças pequenas com atividades participativas. Por exemplo, a leitura compartilhada vai além do que simplesmente ler uma história para uma criança. Significa apontar fotos, fazer perguntas e interagir de outras maneiras que as ajude a aprender a entender como usar a linguagem.

Sem culpa

O aumento do tempo de tela foi maior conforme o tempo de confinamento, em famílias com níveis de educação mais baixos e naquelas em que os próprios pais também passam muito tempo no celular ou no computador.

Os pesquisadores atribuem o aumento do tempo de tela às circunstâncias inéditas nas quais as famílias se encontraram durante a pandemia, incluindo o fechamento de creches, de instalações esportivas e grupos de recreação para crianças

— Permitir que seu filho tenha mais tempo de tela é uma solução compreensível para essa situação, na qual os cuidadores estavam fazendo malabarismos com várias responsabilidades – reuniões no trabalho ou tarefas que exigem concentração, junto com uma criança pequena que precisa de entretenimento. Todos nós fizemos isso durante o confinamento — diz a professora Nivedita Mani, da Universidade de Göttingen.

Portanto, os pais não devem se sentir culpados se tiveram que recorrer a dispositivos com mais frequência durante esse período. Além disso, o tempo de tela não é necessariamente negativo se não for apenas uma atividade passiva. Por exemplo, se as crianças estiverem consumindo um conteúdo de “alta qualidade” junto com um adulto que conversa e interage com elas, isso pode ser mais benéfico e positivo do que ela simplesmente ficar sozinha assistindo desenho animado.

Comments are closed.

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More

Privacy & Cookies Policy