Pesquisa da Unicamp aponta caminho para reduzir fome e tratar obesidade ao combater inflamações no cérebro

Uma pesquisa da Unicamp, em Campinas (SP), abre uma nova janela para o tratamento da obesidade através da redução de inflamações no cérebro. Cientistas tiveram respostas positivas ao controlar sinais de fome e saciedade usando vírus para inibir uma proteína causadora de processos inflamatórios no hipotálamo, órgão do sistema nervoso central.

O sucesso foi observado em camundongos que receberam uma dieta rica em gorduras, e publicado na revista Scientific Reports em setembro, periódico integrado ao quadro de publicações da Nature.

“Quando identificamos um mecanismo, torna-se possível entender os componentes dele que podem ser modificados por um medicamento. A partir disso é que a indústria farmacêutica pode desenvolver um remédio que trate o problema”, explica o cirurgião e pesquisador Licio Velloso, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e coordenador Centro de Estudos de Obesidade e Comorbidades.

 

Em entrevista ao g1, o idealizador Velloso e o nutricionista e pesquisador Alexandre Moura Assis, que assina o artigo, apontaram a importância deste avanço científico no contexto da pandemia da Covid-19, já que a obesidade tem relação com o agravamento dos sintomas do coronavírus.

Vírus bloqueador

 

Desenvolvedor do estudo, Alexandre Assis define a obesidade como uma doença ocasionada por fatores sociais e genéticos, combinada com o consumo excessivo de calorias e diminuição do gasto energético.

Durante seu doutorado, o pesquisador identificou uma inflamação em neurônios do hipotálamo. Após testagens, verificou como controlar essa condição usando um vírus como bloqueador, inibindo a produção de uma proteína responsável pela inflamação dos neurônios.

“Nossa pesquisa é uma grande observação científica realizada a muitas mãos. Foi idealizada pelo Licio e, a partir disso, se ramificou. Esse estudo gera uma janela de oportunidades incrível para investigarmos mecanismos celulares e moleculares envolvidos na obesidade”.

 

Os meios de tratamento atuais se dão pela mudança nos hábitos alimentares e esportivos, na adoção de remédios que inibem a absorção de gordura e, em casos severos, por intervenções cirúrgicas.

Com a descoberta, Licio Velloso aponta que esse passo abre uma nova via de tratamento, na medida em que a indústria farmacêutica conseguir desenvolver e aplicar medicamentos para controle da inflamação no hipotálamo de seres humanos.

“Esse avanço é um passo a mais na direção de compreendermos a obesidade e abrirmos novas perspectivas para seu tratamento. Nosso trabalho como pesquisadores é mapear o problema e dar a pista da correção”.

Etapas e metodologia

 

A pesquisa foi iniciada em 2005 por Velloso e realizada com grupos de camundongos submetidos a dietas ricas em gorduras. A partir da engorda desses animais, constatou-se a inflamação no hipotálamo no ano de 2009.

Segundo o estudo, essa inflamação gera a morte de neurônios POMC, responsáveis pelo controle da saciedade. Em contrapartida, os neurônios do tipo AgRP, responsáveis pelo sinal de fome, não são afetados pela inflamação.

“Esses neurônios AgRP são mais estáveis, mesmo em camundongos obesos. Portanto, essa inflamação gera um desbalanço entre neurônios que estimulam o apetite, os AgRP, e os neurônios que aumentam a saciedade, os POMC. Esse desbalanço está envolvido no processo de engorda”, afirma Assis.

 

Pesquisador da Unicamp, em Campinas (SP), estuda formas de controlar a obesidade  — Foto: Alexandre Moura Assis/Arquivo pessoal

Pesquisador da Unicamp, em Campinas (SP), estuda formas de controlar a obesidade — Foto: Alexandre Moura Assis/Arquivo pessoal

Nessa perspectiva, o pesquisador examinou dois grupos de camundongos entre os anos de 2016 e 2019. Um recebeu um vírus inativo e o segundo, um vírus ativo que inibe a produção de uma proteína denominada Tril, responsável pela inflamação dos neurônios POMC, localizados no hipotálamo.

Com a injeção do vírus no hipotálamo, houve a redução da inflamação e a consequente melhora na emissão dos sinais de fome e saciedade do cérebro para o aparelho digestivo.

“A longo prazo, isso representou uma diminuição na obesidade dos camundongos, um aumento no gasto energético e uma melhora no índice de glicemia em jejum, a diabetes”, explicou Assis.

 

“Na ciência, contamos uma história durante anos e anos. Observamos um fenômeno, exploramos para entender como ele ocorre e, por fim, desenvolvemos mecanismos para interferir nele da forma desejada. Portanto, essa etapa da pesquisa é complementar à outras evidências anteriormente encontradas e que estão em constante evolução”, conclui.

O grupo da Unicamp investiga a obesidade em modelos experimentais e humanos há 20 anos.

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