Quem dorme mal come mais lanches calóricos e com baixo valor nutricional, aponta estudo

RIO — Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, sugere que dormir menos que o recomendado aumenta nossas chances de ingerir comidas menos nutritivas e com maior teor de calorias. Os cientistas observaram que há uma ligação entre não dormir pelo menos sete horas por noite — o mínimo indicado pela Academia Americana de Medicina do Sono para adultos no geral — e comer lanches com mais carboidratos, açúcar, gorduras e cafeína.

— Existe um mecanismo cerebral responsável pelo sistema de recompensas. Quando dormimos mal e pouco, temos uma alteração nesta área. Quando há esta desregulação, o nosso corpo entende que “merecemos” comer mais para conseguir as energias necessárias para continuarmos acordados. É aí que surge a vontade de comer coisas pouco nutritivas e muito calóricas, como um hambúrguer, um sorvete — explica Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono.

A pesquisa foi feita a partir da análise da rotina de quase 20 mil americanos, com idades entre 20 e 60 anos, que participaram de 2007 a 2018 da Pesquisa Nacional de Exame de Saúde e Nutrição dos EUA. O trabalho coletou as recordações alimentares das últimas 24 horas de cada participante, com detalhes sobre o que foi ingerido e a que horas. A pesquisa também questionava sobre a quantidade média de sono noturno durante a semana de trabalho.

Os participantes foram divididos, primeiramente, em grupos com os que cumpriram ou não as recomendações de dormir pelo menos sete horas ou mais por noite. Depois, os cientistas usaram o banco de dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos para estimar a ingestão de nutrientes relacionada aos lanches dos participantes, e separaram em alguns grupos de alimentos. Por último criaram três intervalos de tempo para a hora da alimentação: de 2h as 11h59 (manhã); de 12h as 17h59 (tarde); e 18h as 1h59 (noite).

A análise estatística mostrou que 95,5% dos voluntários começou pelo menos um lanche por dia, sendo que mais de 50% das calorias destas refeições de todos os participantes estavam agrupadas em categorias que incluíam refrigerantes e bebidas energéticas, e batatas fritas, biscoitos e doces.

Os resultados mostraram que os voluntários que dormiam menos de sete horas por noite eram mais propensos a comerem um lanche da manhã — ou seja, ao longo da madrugada e durante a primeira parte do dia —, a ingerirem uma quantidade maior de lanche e cuja composição tinha menor valor nutricional.

O resumo do estudo foi publicado no Jornal da Academia de Nutrição e Dietética dos Estados Unidos e a pesquisa será apresentada em uma sessão de pôsteres no mês que vem na edição de 2021 da Food & Nutrition Conference & Expo.

Dormir pouco aumenta a fome

O corpo humano possui dois hormônios responsáveis pela sensação de fome e saciedade: a grelina e a leptina, respectivamente. Enquanto a grelina, um peptídeo encontrado nas células do estômago, induz o apetite, a leptina, achada nas células adiposas, reduz a vontade de comer e ativa o gasto energético do corpo. Dormir pouco por vários meses e anos afeta o bom funcionamento da leptina, fazendo com que o corpo continue com o estímulo para se alimentar, aumentando assim a fome — e provavelmente o peso da pessoa.

Outro hormônio importante em nosso organismo e que está associado ao sono e à forme é a melatonina. A substância é produzida pela glândula pineal, situada no centro do cérebro, apenas quando está escuro, ou seja, à noite. Ela é responsável por programar o nosso corpo para o momento de dormir, não só aumentando o sono, como também diminuindo a fome e abaixando a pressão arterial, promovendo todas as mudanças necessárias para o período de descanso.

Um estudo feito pelo fisiologista José Cipolla Neto, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que a ausência da melatonina em ratos promoveu o desenvolvimento de doenças metabólicas e causou obesidade. Já sua reposição favoreceu a perda de peso.

— A principal ação da melatonina é regular a fisiologia do dia e da noite. Fisiologia do dia significa a pessoa ativa, se alimentando e todo o metabolismo correspondente, e a fisiologia da noite significa sono, jejum e todo metabolismo correspondente. É fundamental manter o padrão fisiológico normal da melatonina para que a gente tenha as nossas funções diárias adequadamente distribuídas — explica Cipolla Neto.

Quando há uma redução da melatonina à noite, o que pode ocorrer ao ficar exposto à luz, por exemplo, o organismo deixa de entender adequadamente o que é dia e o que é noite, e não percebe que aquele é o momento de começar a desacelerar para dormir. Então, o corpo continua mantendo a fisiologia do dia, o que provoca fome e aumenta a ingestão de alimentos.

A melatonina é de fundamental importância para o balanço energético, pontua Cipolla Neto. Este processo é caracterizado pela diferença de consumo e gasto de energia pelo corpo. Quando se gasta mais do que se consome (por meio da alimentação), ocorre o emagrecimento. Quando a ingestão é maior que o gasto, a pessoa engorda, já que a diferença fica armazenada.

— Este hormônio regula tanto a ingesta alimentar quanto o dispêndio energético. À noite, quando estamos com melatonina circulando pelo corpo, ela bloqueia a ingesta alimentar. E ela aumenta o gasto energético ao ativar o tecido adiposo marrom, responsável pela liberação de calor do organismo — detalha o especialista.

A melatonina é vendida no Brasil sob prescrição médica em farmácias de manipulação. No entanto, por ser um hormônio, seu consumo não pode ser feito livremente. Cipolla Neto aleta que ela deve ser controlada como qualquer outro hormônio. Ela é usada para regular alguns problemas de sono, como casos específicos de insônia.

Nos EUA, a melatonina não é considerada um medicamento, mas um suplemento alimentar. Isto facilita o consumo sem orientação de um profissional de saúde. O uso deste hormônio pode causar depressão, tremor, ansiedade, cólicas abdominais, irritabilidade, sonolência, confusão ou desorientação e pressão arterial anormalmente baixa. Por isso, seu uso deve ser acompanhado por um médico.

Em abril deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso da substância melatonina como um dos ingredientes de suplementos alimentares. Sua adição tem limite máximo de 0,21 mg/dia, e só pode ser consumido por pessoas maiores de 18 anos. Além disso, a substância deve ter a seguinte advertência na rotulagem: “Este produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, crianças, pessoas com enfermidades, pessoas sob uso concomitante de medicamentos ou outros suplementos e pessoas envolvidas em atividades que requerem atenção constante”.

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