Sem máscara: saiba o que pensam os médicos sobre as leis que flexibilizam o uso do acessório em áreas abertas e fechadas

SÃO PAULO E BRASÍLIA — A melhora nos indicadores da pandemia associada ao aumento da taxa de vacinação — atualmente, mais de 53% da população brasileira está totalmente imunizada — trouxe à tona a discussão sobre a flexibilização do uso de máscaras. Recentemente, os governos do Distrito Federal e do Rio de Janeiro decidiram suspender a obrigatoriedade da medida preventiva ao ar livre.  No DF, a decisão passa a valer na próxima quarta-feira. No Rio de Janeiro, a lei que desobriga uso da máscara começou a valer nesta quinta-feira.

É consenso universal que o Sars-CoV-2, vírus causador da Covid-19, é transmitido principalmente pelo ar. Ou seja, a via predominante de infecção é a inalação de pequenas partículas contaminadas, emitidas quando uma pessoa infectada respira, fala, espirra ou tosse. Em ambientes abertos e bem ventilados, essas partículas tendem a se dispersar, o que reduz consideravelmente o risco de contaminação. Já em locais fechados e mal ventilados, elas se acumulam. Daí a decisão de retirar sempre primeiro a obrigatoriedade do uso de máscaras ao ar livre.

Estudos indicam que mais de 99% das transmissões ocorrem em locais fechados e menos de 1% em áreas externas. No entanto, a decisão de retirar a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambiente aberto ainda divide especialistas. Há quem considere precoce e quem ache que já está na hora de tentar voltar a alguma normalidade.

É o momento de tentar

Para o médico geneticista Salmo Raskin, diretor do Laboratório Genetika, em Curitiba, agora é um bom momento para flexibilizar a obrigatoriedade do uso de máscaras nestes ambientes e analisar os efeitos dessa decisão.

— Ninguém sabe se é seguro ou não retirar a obrigatoriedade de máscaras ao ar livre. Sabemos que o vírus está circulando porque ainda tem muito caso e morte de Covid-19 no Brasil, mas todos os indicadores estão baixando consistentemente. Em algum momento vamos precisar tentar voltar ao normal e agora é um bom momento para testar isso em ambientes abertos — diz o médico.

Ele comenta sobre a realização de “testes” pois afirma que, se houver um aumento considerável no número de novos casos da doença 15 dias após a implementação da medida, é sinal que é necessário repensá-la.

— Mas é válido tentar. E o sucesso vai depender muito do comportamento das pessoas — alerta.

O infectologista Alberto Chebabo, vice-diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), acredita que em locais com baixa circulação viral, baixo número de casos, internações e casos graves, como a região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, a retirada da máscara ao ar livre é uma medida segura. Mas ele ressalta que o item ainda precisa ser utilizado em locais com aglomeração, mesmo que ao ar livre.

— Em um ponto de ônibus no horário do rush ou na estação de trem, as pessoas precisam continuar usando — orienta o médico.

A recomendação vai ao encontro das propostas do governo do Rio de Janeiro. O decreto estabelece que é preciso manter o distanciamento social de no mínimo 1 metro e, caso haja necessidade de aglomerar, o cidadão deve colocar sua máscara facial. A recomendação é manter distância mínima de 1 metro entre pessoas sem máscaras. No entanto, no Distrito Federal, não há essa recomendação.

Risco de aumento no número de casos

A complexidade em se controlar aglomerações é a principal preocupação de especialistas que acreditam que ainda é cedo para tirar a obrigatoriedade do uso de máscara em ambiente aberto.

— Tirar a máscara neste momento não traz benefício nenhum ao indivíduo ou à sociedade. Não é algo necessário para a retomada de atividades, por exemplo. Ao retirar a máscara, mesmo em ambientes externos, as pessoas vão aumentar seu risco, por menor que ele seja, e quem vai pagar a conta é quem está desprotegido — diz o infectologista e pediatra, Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM).

Há também preocupação de que surja um efeito rebote após esse tipo de flexibilização, como aconteceu em Israel, Estados Unidos e Reino Unido. Todos esses países observaram um aumento expressivo no número de novas infecções após a suspensão da obrigatoriedade do uso de máscaras, associado à disseminação da variante Delta, considerada mais transmissível. Tanto que, em alguns, os governos voltaram atrás na decisão. Em maio, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA retirou a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais abertos para vacinados. No entanto, dois meses depois, o órgão federal voltou a recomendar o uso ao ar livre em regiões com número de casos em alta.

— O ambiente externo tem um risco muito menor de transmissão de Covid do que ambiente fechados. Mas temos visto locais que já tiveram situação de maior controle da pandemia, como o Reino Unido, que viram um aumento no número de casos de Covid após a liberação do uso de máscaras. Nesse momento, em que há o retorno gradual de atividades presenciais e as pessoas estão se encontrando mais, a máscara, que é uma medida que não acrescenta riscos a quem a usa, pode acrescentar uma camada de proteção. A retirada da máscara pode ser pensada, mas em um momento posterior, quando estivermos em uma situação de maior controle. Ainda temos uma média elevada de casos e mortes, comparadas com outros países — ressalta o infectologista e especialista em saúde pública, Gerson Salvador.

Locais fechados

Se na retirada da obrigatoriedade ao ar livre há divergências, é consenso entre os especialistas a necessidade de continuar com o uso de máscaras em locais fechados. Os governos dos Estados Unidos e de Israel chegaram a liberar o uso da proteção em locais fechados para pessoas vacinadas, mas rapidamente voltaram atrás da decisão. No Brasil, Rio de Janeiro e Distrito Federal continuam a exigir o uso da máscara facial em espaços fechados.

— Em locais fechados e no transporte público a máscara continua obrigatória porque ainda tem circulação do vírus e é preciso avançar mais na vacinação. Quando chegarmos a 80% da população totalmente vacinada, pode-se começar a discutir em quais locais fechados poderia haver uma flexibilização do uso de máscaras. Mas nesse momento é cedo para iniciar esse tipo de discussão — diz Alberto Chebabo, vice-diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

As vacinas disponíveis atualmente são altamente eficazes na prevenção de casos graves e mortes contra a Covid-19, mas não impedem a transmissão da doença e oferecem uma proteção menor contra casos leves, por exemplo. Diante disso, é importante ressaltar que a máscara continuará presente no nosso cotidiano por um período e ainda não é possível sair de casa sem ela.

— A máscara tem que estar no bolso ou na bolsa o tempo inteiro porque a pessoa está na rua sem máscara, mas ao entrar em uma loja, no shopping ou no ônibus, vai ter que colocar a máscara — recomenda Chebabo.

Como avaliar o risco de contágio

O Ministério da Saúde estuda o tema desde junho, a pedido do presidente Jair Bolsonaro. A pasta trabalha na confecção de um protocolo para orientar o fim do uso obrigatório em diferentes ambientes, como os abertos e os fechados. Uma nota técnica chegou à Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid) da pasta na quinta-feira, que deve ser publicada em novembro.

Falta, ainda, a avaliação de um grupo de trabalho a respeito de diferentes indicadores, como taxas de vacinação e de ocupação de leitos. As decisões já divulgadas por Rio de Janeiro e Distrito Federal não devem impactar nas medidas do protocolo:

— Cada estado e município possui a sua autonomia, (mas) claro que também será responsabilizado pelo ato. O nosso (parecer) trará as diretrizes gerais e seus indicadores — afirmou ao GLOBO a secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19, Rosana Leite de Melo.

A médica defendeu a continuidade do uso de máscaras em comissão da Câmara dos Deputados na quinta. Em sua fala, argumentou que é preciso ter cautela para flexibilizar e que não basta considerar a taxa de vacinação.

Já o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) mantém o posicionamento divulgado na semana passada:

“(O orgão) sente-se no dever de apelar a todos os gestores do Sistema Único de Saúde para que mantenham seu uso de caráter obrigatório, nos moldes atuais, como estratégia indispensável ao sucesso de nossos esforços contra a pandemia. A vacinação da população, a testagem e o consequente monitoramento dos casos detectados e de seus contatos, somam-se ao uso de máscaras, à lavagem frequente das mãos e a utilização de álcool em gel como medidas indispensáveis para a superação da pandemia. (…) O momento ainda exige cautela e prudência”, diz a nota.

Os locais que decidirem suspender a obrigatoriedade do uso de máscara, é fundamental definir em quais situações o item deve ser utilizado, mesmo em ambiente externo — como em aglomerações —, aumentar a fiscalização desses ambientes e a comunicação com a população.

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