Simone Biles: como a pressão pode derrubar uma supercampeã e o que podemos aprender com sua atitude

Considerada a maior ginasta da história dos Estados Unidos aos 24 anos, Simone Biles não vai mais competir na final individual geral das Olimpíadas de Tóquio. A razão, segundo anunciou nesta quarta (28) a federação americana de ginástica, é que ela precisará cuidar de sua saúde mental.

Biles já vinha demonstrando sinais de que sua saúde mental não estava bem. Um dia antes, ela se retirou da competição. Antes de desistir, Biles chegou a se apresentar em grupo e marcou 13.766 — uma nota considerada muito baixa para seus padrões.

“Preciso me concentrar no meu bem-estar, há vida além da ginástica. Infelizmente aconteceu nesse palco. Esses Jogos Olímpicos têm sido muito estressantes… Uma longa semana, um longo ciclo olímpico e um longo ano”, disse Biles na coletiva de imprensa após a competição afastando boatos de que ela havia se machucado nos saltos.

 

Atualmente, Biles é quatro vezes medalhista de ouro nas Olimpíadas e a ginasta mais vitoriosa na história dos Estados Unidos em campeonatos mundiais.

Biles ainda está classificada para outras provas individuais. Mas a própria federação americana admite que o estado de saúde mental da ginasta ainda será avaliado dia a dia.

1. A pressão é ruim para o desenvolvimento humano?

 

Não. Segundo Daniel Barros, psiquiatra, não é a pressão que faz mal, mas sim a intensidade como essa pressão se manifesta, seja em atletas ou não-atletas.

“O problema não é a pressão em si, mas sua intensidade. A gente precisa da pressão para ter resultado. Caso contrário, a gente não performa em nada, seja no esporte ou no trabalho”, explica Barros.

 

Segundo ele, a própria motivação é uma tipo de pressão. O que acontece é que as pessoas, de modo geral, passaram a ver pressão e motivação como fatores distintos, sendo um positivo e o outro negativo, mas não é o caso.

2. No esporte, a pressão é um fator constante?

 

Sim. De acordo com Henrique Bottura, psiquiatra diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista. Mestre em psicologia do Esporte pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), o esporte é competitivo por si só, o que torna a pressão uma condição de aperfeiçoamento constante.

A pressão faz parte da natureza do esporte de alto rendimento. A competição é o espírito do atleta. Via de regra, o atleta é alguém competitivo e que precisa dessas exigências para manter seu nível de resultado e empenho”, explica Bottura.

 

3. Por que é difícil dosar a intensidade da pressão nos esportes?

 

De acordo com Barros, em um ambiente esportivo não é possível dosar a pressão sobre os atletas, seja uma pressão interna ou externa, porque há uma competição constante para que um se prove melhor que o outro.

“No caso das Olimpíadas, por exemplo, são todos excelentes atletas competindo por um mesmo lugar no pódio. Um atleta sempre vai querer ir um pouco mais além do seu próprio limite para ganhar uma medalha. E é aí que pode estar o problema”, explica Barros.

Por isso, Bottura fala da importância da autopercepção no reconhecimento da pressão externa e interna.

É importante ter essa percepção porque, às vezes, você está em um ambiente que exige muito mais de você do que você pode dar – e isso pode acontecer tanto em uma competição de alto rendimento como no seu trabalho”, diz Bottura.

4. Quais são os sinais de que a pressão está me fazendo mal?

 

Durante a coletiva de imprensa, Biles revelou que estava muito estressada, a ponto de o sentimento impedir que ela sentisse prazer em estar na competição.

“Acho que estamos todos muito estressados. Deveríamos estar nos divertindo e esse não é o caso”, afirmou Biles.

 

De acordo com Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universida de São Paulo (USP), o primeiro sinal de que algo está errado é quando o indivíduo não consegue mais se divertir fazendo algo que, antes, sentia muita satisfação.

“Quando não há mais satisfação é o momento, seja no trabalho ou no esporte, para se pensar”, diz Dunker.

Entretanto, os reflexos da pressão exacerbada também podem se manifestar através de sintomas físicos ou psíquicos, como: alterações no sono e no apetite, cansaço extremo, explosões de raiva, disfunções sexuais, entre outros.

No caso específico de atletas, os especialistas também ressaltam que um dos sinais de que o profissional não está lidando bem com a pressão é quando ele passa a ter melhor rendimento em treinos ou amistosos do que nas competições.

5. O que podemos aprender com a atitude de Biles?

 

Para Dunker, a atitude de Simone Biles serve de exemplo para que as pessoas passem a identificar e respeitar seus próprios limites.

“Assim como um músculo, que pode sofrer luxações, a mente também tem suas vulnerabilidades. O ato dela foi um imprevisto para o time, mas tem essa conotação de como alguém pode e deve respeitar seus limites – assim como, quando possível, esse alguém também pode superar seus limites”, explica Dunker.

Segundo ele, a atitude pode apontar para um melhor aproveitamento da atleta durante a competição, uma vez que ela se livrou da pressão de ser perfeita em todas as modalidades que competisse.

“Eventualmente, a atitude da Simone reflete uma situação muito comum que é a expectativa dos outros: o peso de ganhar. Forçar uma saída talvez seja uma forma de ela competir melhor nas outras modalidades em que ela ainda compete porque ela já tirou o peso de ser perfeita”, explica Dunker

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