Como é possível perder uma parte considerável do cérebro e viver bem?

Em uma entrevista recente, a estrela de Game of Thrones, Emilia Clarke, falou sobre ser capaz de viver “completamente normalmente” após dois aneurismas – um em 2011 e outro em 2013 – que causaram lesão cerebral. Ela passou por duas cirurgias no cérebro.

Um aneurisma é uma protuberância ou balão na parede de um vaso sanguíneo, muitas vezes acompanhado de dor de cabeça ou dor intensa. Então, como as pessoas podem sobreviver e prosperar apesar de terem, como Clarke relatou, “um pedaço considerável faltando” do cérebro?

A chave para entender como os cérebros podem se recuperar de traumas é que eles são fantasticamente plásticos – o que significa que o supercomputador do nosso corpo pode se reformar e se remodelar.

Nossos cérebros fantasticamente plásticos

Cérebros podem se adaptar e mudar de maneiras incríveis. O seu está fazendo isso agora mesmo, enquanto você forma novas memórias.

Não é que o cérebro tenha evoluído para lidar com traumas cerebrais, derrames ou aneurismas; nossos ancestrais normalmente morriam quando isso acontecia e provavelmente deixavam de se reproduzir. Na verdade, desenvolvemos crânios muito grossos justamente para tentar evitar que traumas cerebrais aconteçam.

Essa plasticidade neural é resultado de nossos cérebros evoluindo para serem máquinas de aprendizado. Eles permitem que nos adaptemos a ambientes em mudança, para facilitar a aprendizagem, a memória e a flexibilidade. Essa funcionalidade também significa que o cérebro pode se adaptar após certas lesões, encontrando novos caminhos para funcionar.

Muitos órgãos não se recuperariam após sérios danos. Mas o cérebro continua se desenvolvendo ao longo da vida. Em nível microscópico, você está mudando o cérebro para criar novas memórias todos os dias.

Esse extraordinário quilo e meio de tecido mole sentado em seu crânio – com mais potência e capacidade do que até o supercomputador mais poderoso – tem uma incrível habilidade de adaptação.

O que significa dizer que partes do cérebro estão “faltando”?

O cérebro precisa de um suprimento constante e estável de sangue oxigenado. Quando é ferido – por exemplo, por um aneurisma, impacto súbito contra o interior do crânio, acidente vascular cerebral ou cirurgia –, o fornecimento de oxigênio pode ser interrompido.

Às vezes, um pedaço é removido cirurgicamente ou uma região morre devido à falta de oxigênio. Por exemplo, às vezes uma pessoa com epilepsia não responde aos medicamentos. Graças a técnicas extraordinárias de imagem cerebral, podemos descobrir o local exato no cérebro em que a convulsão começa e remover parte do cérebro.

Então, como o cérebro se adapta após uma lesão?

Seu cérebro tem cerca de 100 bilhões de neurônios e mais de 1 trilhão de sinapses (uma junção entre dois neurônios, através da qual um impulso elétrico é transmitido). Eles estão constantemente se reconectando em resposta a novas experiências, para armazenar e recuperar informações.

Com lesão cerebral, as alterações podem ser maiores; você obtém novas ligações em torno da lesão. Essas sinapses podem se reorganizar para contornar a parte danificada. Os axônios (partes longas e filiformes de uma célula nervosa que podem conduzir impulsos elétricos) formam fibras nervosas que são enviadas para novos pontos em resposta aos sinais que estão recebendo da área danificada.

Mas há outra forma de plasticidade chamada neurogênese. Isso envolve pequenos bolsões no cérebro onde novos neurônios continuam a nascer ao longo da vida. E há evidências de que, após uma lesão cerebral, essas células-tronco neurais podem ser estimuladas, migrando para a área da lesão e formando novos neurônios.

A neurorreabilitação pode incluir reabilitação física e reabilitação da fala. E também há pesquisas sobre o uso de drogas para aumentar a neuroplasticidade. Isso também pode se aplicar a formas mais lentas de degeneração, como nas doenças de Parkinson ou Huntington.

Como observa Clarke, nem todo mundo tem uma recuperação significativa após uma lesão cerebral traumática; muitas pessoas experimentam deficiência contínua. Diversos fatores afetam a forma como o cérebro responde à reabilitação, incluindo a extensão e a posição da lesão cerebral, genética, estilo de vida e história de vida.

Algumas pessoas também experimentam mudanças de personalidade após uma lesão cerebral traumática. Um dos casos mais famosos da história foi o de Phineas Gage, que sofreu um acidente na década de 1840 e teve uma haste de metal enfiada em sua cabeça, destruindo grande parte de seu lobo frontal. Ele sobreviveu e se recuperou, mas sua personalidade mudou.

O que você pode fazer para dar ao seu cérebro a melhor chance na vida?

Quero terminar com uma mensagem sobre os cinco fatores da saúde do cérebro:

1. Dieta: evidências mostram uma relação entre a saúde do cérebro e a saúde do corpo, incluindo o microbioma intestinal. Portanto, garantir que sua dieta seja amplamente saudável é bom para o cérebro e para o resto do corpo

2. Estresse: altos níveis de estresse crônico podem ser ruins para o cérebro

3. Sono: sabemos que uma boa higiene do sono é muito importante para um cérebro saudável

4. Exercício cognitivo ou mental: isso é excepcionalmente benéfico para o cérebro e pode potencialmente retardar o envelhecimento cerebral

5. Exercício físico: a atividade física é tão boa para o cérebro quanto para o corpo.

Mesmo que você não possa fazer nada sobre sua genética, você pode mudar seu estilo de vida para dar ao cérebro melhores condições e potencialmente retardar o envelhecimento.

Quanto mais saudável for seu cérebro, mais provável será que ele consiga se reconectar e se curar caso ferido. Também são maiores as chances de ele se tornar resiliente aos aspectos negativos do envelhecimento cerebral, como a doença de Alzheimer e outras formas de demência, para que possam ser retardadas ou prevenidas.

*Professor de epigenética e plasticidade neural no Instituto Florey de Neurociência e Saúde Mental (Austrália)

Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation

Fonte: revista Galileu

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