Histórias para dormir ajudam adultos a combater a insônia

No vilarejo Nada Acontece, não há grandes emoções. Perto de casa você pode comprar peras perfumadas num dia de chuva. Visitar uma loja repleta de especiarias ou ver um veado pacífico na floresta próxima. No entanto, é nesse lugar que você pode descansar seus pensamentos, esquecer do estresse e, finalmente, dormir. Nada Acontece é palco de singelas histórias de ninar, só que para adultos.

 

O livro “No final nada acontece”, que está sendo lançado pela editora Sextante, é fruto de um podcast em inglês, e faz parte de uma nova forma de combater a insônia, para além de barulhinhos relaxantes, exercícios de respiração ou de meditação guiada.

A autora, Kathryn Nicolai, explica que todas as pequenas histórias, com cerca de cinco páginas, sempre têm três componentes: em primeiro, o assunto tem que ser relaxante, algo em torno de uma experiência prazerosa. Depois, é preciso ter elementos familiares e facilmente reconhecíveis. E, por fim, deve ser muito rica em sensações.

— Tudo isso cria um clima. Como não há uma trama — ou vou te deixar acordada — tem que ser uma experiência sensorial. Me perguntam se as histórias são chatas e digo: não, você merece mais que isso, merece histórias bonitas. São lembranças de que mesmo neste mundo difícil há bons momentos que merecem atenção. Eu quero dar um lugar seguro para seus pensamentos irem, onde você possa repousar a mente.

Nicolai é professora de meditação e yoga mas, dessa vez, não quis “dar instruções e sim permitir que as pessoas vivessem a experiência”. Segundo ela, seus contos vêm sendo usados por quem tem problemas de ansiedade, ataques de pânico e, claro, dificuldade para dormir ou retomar o sono.

No começo do livro, a escritora sugere que as pessoas que acordam no meio da noite e têm dificuldade para voltar a dormir tentem retomar mentalmente a história lida anteriormente, relembrando os acontecimentos, cenários e sensações. A explicação para o efeito antiestresse, estaria na neurociência:

— Precisamos falar de estados mentais. Temos a rede de modo padrão, que é a atividade mental que acontece quando você não está fazendo nada. É também o que acontece quando você acorda 3h da manhã, seu cérebro desperta e começa a trabalhar. E, uma vez nesse estado, você não consegue voltar a dormir. Então precisamos mudar a atividade cerebral para “task positive network”, que significa dar um trabalho para seu cérebro. As histórias dão uma tarefa simples: imaginar as circunstâncias, sentir o clima, se deixar levar pelas emoções reconfortantes. Isso permite que você volte a dormir no meio da noite.

Já há outros livros do gênero como “Histórias para adultos estressados” (editora Best Seller). Vídeos no Youtube, como o canal Meditando, de Juliana Tamietti, ou o app Calm também oferecem contos, entre outros recursos.

Um estudo do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal do ABC (UFABC) publicado em 2021 na Proceedings of the National Academy of Sciences avaliou os efeitos fisiológicos e psicológicos da contação de histórias em 81 crianças internadas na UTI. Um grupo ouviu histórias enquanto outro brincou de jogos de adivinhação. Antes e depois foram coletadas amostras de ocitocina (hormônio do vínculo afetivo) e de cortisol (hormônio do estresse). Ambos os grupos apresentaram melhora, mas as crianças que ouviram histórias tiveram aumento em dobro da ocitocina e diminuição em dobro do cortisol. Para completar, numa escala de dor, o índice caiu duas vezes mais e, na análise de sentimentos, as crianças demonstraram mais emoções positivas.

Para o pesquisador, professor e autor do estudo, Guilherme Brockington, o conjunto de evidências científicas em neurociência e psicologia atesta que existe o fenômeno de “transporte da narrativa”, ou seja, as histórias levam o ouvinte para outro lugar.

— Não é especulativo, é muito provável que ocorra, ainda mais com os adultos. Não temos dúvida de que as histórias modulam as emoções, muitas pesquisas mostram. Um livro ou filme pode alegrar, excitar mas, nesse caso, você quer gerar outra coisa, que é tranquilidade. O esforço é de te transportar para um lugar mais calmo, sensorialmente diferente do que você está, ansioso e insone. E a história induz mesmo a sensações e estados mentais.

Fazer o básico

Já o pediatra Gustavo Moreira, do Instituto do Sono, afirma que, assim como acontece com as crianças, a história de ninar serve para desconectar a cabeça das atividades intensas durante o dia:

— É uma estratégia que pode ser efetiva. O conteúdo da história não pode ter nada a ver com o que acontece no dia e deve ser rica em adjetivos de forma a envolver o cérebro. Tem que servir para a pessoa se desconectar dos problemas e focar numa coisa diferente. Existem várias estratégias para isso, como meditação, yoga, alongamento, diversas formas de relaxamento. Mas nada funciona se o básico não for feito: tirar estimulantes à noite, como cafeína, atividade física tarde, telas e adotar horários regulares de sono.

Fonte: O Globo

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