A gonorreia pode ser a razão pela qual nós temos avós; entenda

No último domingo (24) foi comemorado o Dia dos Avós no Brasil. O que pouca gente imagina é que a habilidade evolutiva humana de termos esses parentes idosos na família é resultado de uma relação inesperada, originada por bactérias da gonorreia.

A teoria faz parte de um estudo publicado em 9 de julho na revista Molecular Biology and Evolution. Os autores da pesquisa, liderada por cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego, começaram sua análise investigando um gene mutante que protege os idosos contra o declínio cognitivo e a demência. Então, tentaram rastrear quando ele surgiu no genoma dos humanos.

Segundo os pesquisadores, essa origem pode estar associada a agentes infecciosos, como o da gonorreia (Neisseria gonorrhoeae), que permitiram o surgimento de tal variação genética no Homo sapiens. Isso apoia a existência de famílias com várias gerações, ou seja, com avós —  e ainda possibilita uma mais longa expectativa de vida nos humanos.

Para chegarem a essa conclusão, os cientistas compararam genomas humanos e de chimpanzés. Com isso, descobriram que nós temos uma versão única do gene para o receptor CD33, expresso em células imunes. Esse receptor se liga a um açúcar chamado ácido siálico, que reveste todas as células humanas.

Quando essa ligação ocorre, a célula imune reconhece outra célula como parte do corpo e não ataca, impedindo uma resposta autoimune. O impedimento ocorre inclusive quando o CD33 se liga a um ácido siálico presente em bactérias.

Bactérias da gonorreia podem ter assumido importante papel no processo evolutivo do ser humano (Foto: Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, Institutos Nacionais de Saúde)
A bactéria Neisseria gonorrhoeae pode ter impulsionado a evolução de variantes de genes humanos que protegem contra a demência  (Foto: Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, Institutos Nacionais de Saúde)

O receptor é expresso também nas células imunes no cérebro, onde ajuda a controlar a neuroinflamação. Porém, ao longo da evolução, os humanos adquiriram uma forma mutante do gene para o CD33 que não tem local de ligação com o açúcar — não reagindo mais aos ácidos siálicos.

Segundo os autores, dado que as bactérias da gonorreia se revestem dos mesmos açúcares aos quais os receptores se ligam, elas “enganam” as células imunológicas humanas para não identificá-las como invasoras externas. Portanto, a versão do gene sem um sítio de ligação ao açúcar surgiu como uma adaptação contra esse mecanismo de “disfarce” da bactéria e de outros microorganismos.

Os autores do estudo notaram ainda que a seleção impulsionou para que a versão do gene do receptor evoluísse mais rapidamente do que o esperado. Para a surpresa dos cientistas, essa versão não estava nos genomas de neandertais nem dos denisovanos, nossos parentes evolutivos mais próximos.

“Essas descobertas sugerem que a sabedoria e o cuidado de avós saudáveis ​​​​podem ter sido uma importante vantagem evolutiva que tivemos sobre outras espécies antigas de hominídeos”, explica Ajit Varki, coautor sênior da pesquisa, em comunicado.

Segundo concluíram os estudiosos, nós humanos herdamos a forma mutante do gene para o CD33 na idade reprodutiva. Conforme Pascal Gagneux, que colidera o estudo, a variação genética foi selecionada por suas vantagens de sobrevivência contra agentes infecciosos, mas secundariamente pelos “seus efeitos protetores contra demência e outras doenças relacionadas ao envelhecimento”.

Fonte: Revista Galileu

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