Alergia a amendoim? Cientistas usam tecnologia da vacina da Covid para aliviar sintomas; entenda

Imunologistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, inspiraram-se nas vacinas contra a Covid-19 para criar uma nanopartícula inédita para treinar o corpo para tolerar as proteínas do amendoim. Medida em bilionésimos de metro, de tão pequena que é, a nanopartícula fornece RNA mensageiro (mRNA) para células específicas no fígado, que por sua vez ensinam as defesas naturais do organismo a não reagir ao alimento.

 

As alergias ao amendoim afetam 1 em cada 50 crianças nos Estados Unidos, e os casos mais graves levam a uma reação imunológica chamada choque anafilático, que é potencialmente mortal. No país, atualmente, existe apenas um tratamento aprovado que reduz a gravidade da reação alérgica e leva meses para fazer efeito.

Em testes em camundongos, a nanopartícula desenvolvida pelos cientiastas não apenas reverteu as alergias ao amendoim, mas também impediu que elas se desenvolvessem. O estudo foi publicado na revista científica ACS Nano.

“Até onde podemos descobrir, o mRNA nunca foi usado para uma doença alérgica”, disse André Nel, coautor do estudo, professor de medicina da UCLA e diretor de pesquisa do California NanoSystems Institute da UCLA, em comunicado. “Mostramos que nossa plataforma pode funcionar para acalmar as alergias ao amendoim e acreditamos que pode fazer o mesmo com outros alérgenos, em alimentos e medicamentos, bem como em condições autoimunes”.

 

Os pesquisadores se concentraram no fígado por duas razões: primeiro, o órgão é treinado para não responder a todos os desafios porque é regularmente bombardeado com substâncias estranhas, incluindo alérgenos. Em segundo lugar, o órgão abriga células chamadas células apresentadoras de antígenos, que coletam proteínas estranhas e treinam o sistema imunológico para tolerá-las, em vez de atacar quando são detectadas.

O estudo se baseia em dois avanços anteriores de Nel e seus colegas. Em 2021, eles descobriram que uma nanopartícula que entregava um fragmento de proteína cuidadosamente selecionado, chamado epítopo, ao fígado reduzia os sintomas de alergia perigosa a ovo em camundongos. No ano seguinte, eles identificaram um epítopo que aliviou as alergias ao amendoim em camundongos quando entregue ao fígado por meio de uma nanopartícula. Como esses epítopos deixam de fora a parte da proteína do amendoim ou do ovo que desencadeia as alergias, espera-se que sejam mais seguros como parte de um tratamento.

“Se você tiver sorte o suficiente para escolher o epítopo correto, há um mecanismo imunológico que amortece as reações a todos os outros fragmentos”, explicou Nel. “Dessa forma, você poderia cuidar de todo um conjunto de epítopos que desempenham um papel na doença”.

 

 

Os cientistas melhoraram o design de sua nanopartícula anterior adicionando uma molécula de açúcar em sua superfície que se liga especificamente às células apresentadoras de antígenos. O uso do mRNA foi outro passo à frente.

Na nanopartícula atualizada, os pesquisadores projetaram parte da carga de mRNA para codificar o epítopo ou epítopos selecionados — neste caso, o fragmento de proteína de amendoim identificado no estudo anterior — da mesma forma que as vacinas de mRNA para o coronavírus codificam toda a proteína spike do vírus. O uso do mRNA facilita o carregamento da nanopartícula e elimina as complicações decorrentes da inclusão de mais de um epítopo, uma vantagem que pode expandir o escopo da aplicação. Por exemplo, vários epítopos podem ser necessários para tratar outras alergias ou alergias múltiplas.

Para avaliar se a nanopartícula atualizada preveniria alergias ao amendoim, os pesquisadores a administraram em seis camundongos em duas doses, com uma semana de intervalo. Outro grupo de seis camundongos obteve uma nanopartícula com a mesma carga útil de mRNA, mas sem açúcar direcionado em sua superfície; seis outros camundongos obtiveram a nanopartícula atualizada, mas com mRNA dentro que não codificava nenhuma proteína ou epítopo; e um quarto grupo de seis não recebeu nenhuma nanopartícula.

Uma semana após a segunda dose, os cientistas alimentaram os camundongos com um extrato bruto de proteína de amendoim para sensibilizá-los aos alérgenos do alimento. Na semana seguinte, eles expuseram os camundongos à proteína do amendoim para desencadear um choque anafilático.

 

Os camundongos que foram pré-tratados com a nanopartícula atualizada apresentaram sintomas mais leves em comparação com aqueles que receberam uma nanopartícula sem açúcar direcionado, enquanto sintomas mais graves apareceram no grupo de controle que não recebeu tratamento e no grupo que recebeu uma nanopartícula direcionada com mRNA não codificante.

Os cientistas repetiram o experimento, mudando a ordem das operações — para que os camundongos fossem sensibilizados à proteína do amendoim antes de receber a nanopartícula. Mais uma vez, a nanopartícula atualizada superou uma similar que não tinha o açúcar de direcionamento, e ambas produziram sintomas muito mais leves do que os pesquisadores observaram em camundongos que não receberam tratamento ou uma nanopartícula contendo mRNA não codificante.

Em ambas as versões do experimento, os cientistas mediram os níveis de células imunológicas específicas, bem como certos anticorpos, enzimas e citocinas, o que confirmou que a nanopartícula atualizada aumentou a tolerância dos animais à proteína do amendoim.

Nel estima que, com sucesso em mais estudos de laboratório, a nanopartícula pode estar em ensaios clínicos dentro de três anos. Seu laboratório começará em breve o processo regulatório necessário para testar a abordagem para alergias a amendoim em ensaios clínicos. Ele acrescentou que a substituição de uma carga útil de mRNA para diferentes epítopos abre o potencial para adaptar a nanopartícula para outras alergias e distúrbios autoimunes.

A equipe está explorando se a nanopartícula pode ser usada para tratar o diabetes tipo 1, uma doença na qual o sistema imunológico ataca as células do pâncreas que permitem ao corpo obter energia dos alimentos. Epítopos importantes das proteínas que desencadeiam o ataque imunológico no diabetes já foram identificados por outros pesquisadores.

Fonte: O Globo

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