Câncer: ciência explica por que os homens apresentam quadros mais agressivos

RIO — O sexo do paciente pode impactar de forma significativa a incidência e a progressão de uma série de tumores, com dados do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos apontando que homens têm um risco cerca de 20% maior de desenvolver o diagnóstico. No Brasil, por exemplo, informações do INCA mostram um registro quase 70% maior de novos casos de câncer de estômago no sexo masculino em 2020. Agora, pesquisadores do Centro de Câncer da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, descobriram uma nova explicação para o fenômeno.

Publicado neste mês na revista científica Science Immunology, o novo trabalho examinou as diferenças nas respostas do sistema imunológico dentro dos tumores em homens e mulheres. O estudo descobriu que hormônios chamados de andrógenos contribuem para a disfunção de células de defesa do corpo T CD8+, muitas vezes referidas como células “assassinas” de câncer, que são críticas para a uma resposta imunológica contra o tumor.

Os andrógenos são hormônios produzidos pelos homens nos testículos e são responsáveis pelo desenvolvimento das características sexuais masculinas, sendo a testosterona o principal deles. As mulheres também os produzem, nos ovários, mas em quantidades muito menores.

Segundo a nova descoberta, a resposta ao câncer é mais fraca na população do sexo masculino pela atuação desses hormônios enfraquecendo as células de defesa do corpo que deveriam atuar combatendo as células cancerígenas.

O oncologista Décio Lerner, chefe do Centro Avançado de Oncologia do Hospital São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro, explica que não era muito claro o por que de homens terem risco maior para o câncer, com algumas teorias ligadas à questão genética, em que mulheres teriam em maior quantidade genes que proporcionam uma ação protetora contra tumores.

— Esse novo estudo fala pela primeira vez sobre uma ação dos hormônios andrógenos para isso, mostrando que, quando ele se liga ao seu receptor nas células do organismo, isso faz com que as células de defesa responsáveis por combater o tumor tornem-se menos eficazes. Isso pode ter várias repercussões porque existem drogas hoje que podem bloquear esses receptores nas células — afirma o oncologista, que trabalha também no Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Para ele, a descoberta pode levar a novos tratamentos que envolvam o bloqueio desse receptor para fortalecer a resposta do sistema imunológico ao tumor. Lerner acrescenta que essa seria mais uma técnica utilizada hoje pela imunoterapia para o tratamento de cânceres, que já conta com outros mecanismos para induzir uma resposta do próprio organismo contra as células cancerígenas. Trata-se do campo mais avançado hoje na área da oncologia.

— A imunoterapia mudou a história de diversas doenças, como do câncer de pulmão e alguns tipos de linfomas, e se tornou um dos métodos de tratamento mais revolucionários. Porém, apenas alguns tumores respondem ao tratamento, além de serem drogas muito caras que hoje são utilizadas apenas em casos muito bem definidos para os quais há o benefício — acrescenta o especialista.

A oncologista do INCA e do Grupo Oncoclínicas Flora Lino destaca que as descobertas são surpreendentes, mas ainda são necessários mais estudos para que novas formas de tratamento sejam incorporadas à prática clínica.

— Ainda assim, conhecimentos como esse têm levado a oncologia para outro nível de compreensão sobre as doenças, com a descoberta de novos alvos para o tratamento medicamentoso que permite bloquear os mecanismos envolvidos na proliferação e perpetuação das células cancerígenas — explica a especialista.

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