Dores, cansaço, discussões e muito trabalho: a realidade “escondida” do pós-parto

“A maternidade é talvez a transição mais importante na vida de uma mulher. De um dia para o outro, temos uma criança que depende de nós. Isso é avassalador. A vida altera-se, em todas as suas dimensões. A parte física, do nosso corpo. A parte emocional e a relação do casal. A parte logística, das nossas rotinas. Temos de nos adaptar a todas essas alterações.”

A terapeuta Constança Cordeiro Ferreira, fundadora do Centro do Bebé, não tem dúvidas de que “o pós-parto é uma muito complexo, uma crise vital”, por isso, “quanto mais nós estivermos preparadas para todos esses desafios, melhor”.

“De uma forma geral, não se fala muito disto. Há muita informação sobre a gravidez e um foco muito grande nos cuidados com o bebé, mas nem sempre há uma atenção à mulher e às necessidades dela nesta fase tão complicada, que é de fato um período muito difícil e de muitas adaptações”, concorda a psicóloga Kátia Almeida.

Durante a gravidez, “é normal fazermos uma construção do bebé ideal, da maternidade ideal, da família ideal, e é positivo que isso aconteça. É bom termos um ideal. Mas é preciso deixar espaço para a vida acontecer”, alerta Constança. E é importante sabermos que esse ideal pode não vir a se concretizar.

Recentemente, a atriz e influencer Catarina Gouveia foi bastante criticada por ter publicado no Instagram uma fotografia tirada um dia depois do nascimento da sua filha, na qual tudo parece perfeito. O cabelo, a pele, o corpo da mãe estão maravilhosos, o quarto imaculadamente limpo e arrumado.

Constança não critica a atriz por tirar esta fotografia. “Também há pessoas que gostam de vestir uma roupinha especial no bebé quando nasce para tirar uma fotografia”, mesmo que logo a seguir o bebé vá se sujar todo e não fique mais do que alguns minutos assim bonito.

O problema não são as fotografias que tiramos, que são sempre visões melhoradas da realidade. O importante é que estas não sejam tidas como ideais.

“Um dos riscos das redes sociais é que nós substituímos a nossa construção pessoal pela construção de outra pessoa e, pior ainda, que pode nem ser a realidade, é simplesmente aquilo que as outras pessoas decidem mostrar”, sublinha. “Como eu costumo dizer, fotografam as panquecas, mas quem é que fotografa a louça suja?”.

“Algumas mulheres podem ver isto e sentirem-se mal, perguntam se deveriam estar assim, o que é que fizeram de errado. Não há motivo para tal. Ainda bem que há pessoas que estão maravilhosas após o parto. Mas para a maior parte das pessoas essa não é a realidade e está tudo bem”, diz a terapeuta.

Para evitar este tipo de sentimentos de culpabilização, é essencial ter informação. “O período pós-parto é dificílimo. Existem dores, sangramentos, o leite, a adaptação à amamentação. E, para além disto tudo, existe a adaptação a um bebé, toda a família tem que mudar as suas rotinas, os seus horários. Há novas preocupações, novas tarefas. O primeiro mês é um mês de adaptação”, avisa Kátia Almeida.

“O mais importante é o pós-parto começar a ser preparado ainda durante a gravidez”, explica. “Depois do nascimento é normal a mulher estar ocupada com tanta coisa que fica desorientada e não consegue tomar decisões racionais.” Portanto, o primeiro conselho às futuras mães é que se informem sobre o que vem a seguir e se preparem.

“Muitas pessoas continuam a ter a ideia de que ter um filho é como ter uma torradeira que se liga e desliga e se pode programar”, brinca Constança. “Mas é muito mais complicado. e é por isso que muitos dos cursos de preparação para o parto são já, também, cursos de preparação para a parentalidade, onde se fala de assuntos como o cuidado do bebé, a recuperação física da mãe e todos os outros aspetos relacionados à esta fase da vida. Da organização da casa às previsíveis discussões conjugais”.

Alterações físicas e hormonais

“As mulheres devem ter consciência que as alterações físicas e hormonais a seguir ao parto são reais, não são uma invenção”, afirma Kátia Almeida. “O corpo leva tempo a recuperar. Não há duas gestações iguais e também não há dois pós-partos iguais”;

Uma mulher pode ter um pós-parto fantástico e, em um outro pós-parto, ter várias dificuldades. Por isso, é importante saber quais os possíveis efeitos quando se tem um parto natural ou uma cesariana para saber o que esperar – na recuperação interna e externa.

É normal dores e sangramentos, é preciso perceber que há mulheres que levam mais tempo a perder o peso que ganharam durante a gravidez, há barrigas que demoram a ir ao lugar. Muitas mulheres têm eczemas ou acne. “Tudo isto afeta a autoestima da mulher, obviamente. Mas também há coisas que se podem fazer para minimizar estes efeitos”, diz Kátia Almeida.

As alterações de humor são previsíveis. Segundo a especialista, estas alterações passam ao fim de sete a dez dias após o parto. Além das características de cada pessoa e das alterações hormonais, é preciso ter em conta a experiência do parto em si (e o confronto entre as expectativas que se tinha com a realidade do parto).

Todas as outras dificuldades deste período podem levar a um estado de exaustão e de frustração por não se conseguir corresponder a um ideal. “A depressão pós-parto é mais comum do que se pensa.” É necessário estar atento para perceber quando o “baby blues” se está a transformar numa depressão e pedir ajuda o quanto antes.

Bebê em enfermaria de maternidade / Reuters

“O que fazemos nos cursos de preparação é dar toda a informação. Dizer aos futuros pais: isto pode acontecer”, explica Constança. “Pode não acontecer assim, mas é normal que aconteçam estas alterações físicas e hormonais. E este são os sinais de alerta”;

Ajuste de expectativas

“A mulher deve ajustar as expetativas em relação ao que vai conseguir fazer. O mais normal é acharmos que vamos conseguir fazer tudo. Que vai dar para descansar e para acabar um trabalho e para marcar almoços. O melhor a fazer é esquecer tudo durante, pelo menos, o primeiro mês. Depois, se der, fará”, avisa Kátia Almeida.

Nesta primeira fase, a prioridade deve ser cuidar do bebé e repousar. “A mãe dorme quando o bebé dorme. Não interessa se a roupa está por lavar ou a casa está por arrumar. Descansar é a prioridade absoluta, também para poder estar disponível quando o bebé precisa”.

Por este motivo, é importante que os pais definam desde logo algumas estratégias. Quem vai cozinhar? Quem vai lavar a roupa? Quem vai às compras?  A quem será preciso pedir ajuda? “O planeamento é essencial”, diz Constança Cordeiro Ferreira, lembrando que, desde sempre, a parentalidade é uma tarefa coletiva.

“Essa ideia de que os pais devem fazer tudo sozinhos é uma coisa muito recente e ocidental. Uma mãe e um pai precisam de ajuda. Não se pode esperar que uma mulher que passou por um parto complicado, que está fragilizada física e emocionalmente, seja capaz de tomar conta da criança e da casa e de tudo. Não há super-mulheres”.

E depois ainda há que contar com a imprevisibilidade do bebé. “Nós preparamo-nos para a maternidade como nos preparamos para um desafio no trabalho. Estudamos, analisamos, prevemos soluções. Mas o bebé não recebeu o memorando”, diz a terapeuta. “Aquilo que sabemos é que os bebés quando nascem são muito imaturos e muito diferentes. E não há nada que possamos fazer”.

Pressão sobre a mãe

Kátia Almeida lembra que nesta fase é importante que a mulher mantenha o seu autocuidado. “Quanto mais conseguir cuidar de si, melhor cuidará do bebé.” “No início pode passar unicamente pela higiene e pelo repouso”, avisa a psicóloga. Mas também convém não descuidar a alimentação, o exercício físico e as relações sociais.

Mas, sobretudo, é importante que recupere ao seu ritmo e que tenha tempo e espaço para se adaptar a esta nova fase da vida. Para além todas as expectativas que as mães têm e da pressão que impõem a si próprias, a psicóloga refere que outro dos grandes desafios é a pressão social que existe.

“De repente, surgem imensos especialistas. Há sempre alguém que sabe exatamente o que é que as mães deveriam fazer. E quanto maior for a vulnerabilidade da mulher mais difícil será lidar com essa pressão, que pode ser sentida como um ataque”.

Voltamos, portanto, ao início da conversa: nada de sentimentos de inferioridade. “A parentalidade é um processo em construção, uma aprendizagem”, diz. Um processo sempre inacabado, por isso não vale a pena procurar uma perfeição que não existe.

Fonte: CNN Brasil

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