Por que a compulsão alimentar atinge mais as mulheres?

A pesquisa pelo termo “compulsão alimentar” no Google atingiu o maior número em janeiro em comparação aos últimos 12 meses. A busca teve um aumento repentino por volta do dia 16 de janeiro, quando uma participante do programa Big Brother Brasil, a modelo e empresária Yasmin Brunet, revelou conviver com o transtorno.

Os transtornos alimentares, como a compulsão alimentar, bulimia e anorexia, atingem 9 mulheres a cada um homem no Brasil. Segundo a psicóloga Mariangela Venas, “não há como falar em TA [Transtorno alimentar], na atualidade, e não fazer referência ao sofrimento que a mulher é exposta diariamente nas redes sociais. O corpo da mulher é alvo de críticas constantes”.

Mariangela é especialista em Transtornos Alimentares pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) e autora do livro Corpo Feminino: subjetividade e contemporaneidade . “Muitas vezes, a ideia de ter um corpo magro vem ‘revestida’ de um apelo à saúde, porém, há muitas camadas por baixo desse discurso… O tempo todo a mulher se vê enredada nessa trama de manter o corpo magro”, relata a psicóloga.

Para a especialista, “ a compulsão tem início como uma via para escoar o sofrimento presente no modo de viver ao qual estamos submetidos na atualidade : aceleração, performance, produtividade, exaustão, excessos, padrão de beleza… A angústia como um sintoma na compulsão”. O comer, portanto, torna-se uma tentativa de reduzir o mal-estar.

“Contudo, com o passar do tempo se transforma em uma forma de aprisionamento, a busca pelo prazer imediato aniquila o desejo do indivíduo e produz mais sofrimento”, diz Mariangela.

De acordo com a psicóloga Flávia Teixeira, mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os transtornos são multifatoriais e “resultam da interação de vários aspectos e das relações que estabelecemos na vida”.

Flávia aponta que dietas restritivas, por exemplo, costumam estar intimamente ligadas ao desenvolvimento da doença. “Quando pensamos em transtorno de compulsão alimentar, e o que pode levar um indivíduo a desenvolvê-lo, temos como exemplo as dietas restritivas. Um alerta importante é: não são todas as dietas que desencadeiam um transtorno, mas a maioria dos transtornos surge após uma dieta muito restritiva ”, diz a psicóloga.

O ponto de partida para iniciar uma dieta restritiva, muitas vezes, é a busca pela magreza, como apontado por Mariangela. A pressão estética em torno do peso revela, acima de tudo, que o sofrimento não se apresenta apenas entre mulheres adultas, mas começa na infância.

Em 2023, um estudo publicado na revista científica JAMA Pediatrics mostrou que quase um terço das meninas de 6 a 18 anos (30%) no mundo sofrem com algum transtorno alimentar. “As meninas e adolescentes começam desde muito cedo a sentirem-se pressionadas a corresponder tais cobranças. Neste caso os transtornos mais prevalentes são a anorexia nervosa e a bulimia nervosa, e em muitos casos, transformam-se em transtorno de compulsão alimentar”, explica Flávia.

Mas, afinal, o que caracteriza a compulsão?

A especialista Flávia Teixeira aponta que a compulsão alimentar é caracterizada por episódios de grande ingestão de alimentos e calorias, em um curto espaço de tempo e em uma velocidade muito rápida. “A pessoa come muito mais do que comeria se não estivesse tendo um episódio de compulsão alimentar. Como critério diagnóstico, esse episódio precisa acontecer uma vez por semana (pelo menos), durante três meses”, detalha Flávia.

Segundo a psicóloga, ao final de cada crise a pessoa se sente mal, física e psicologicamente. “[…] A pessoa só para de comer por ter acabado a comida, ou por estar se sentindo mal, e logo em seguida sentem-se culpados e envergonhados por não terem conseguido evitar o impulso de comer”, completa a especialista.

Quais são as alternativas de enfrentamento desse transtorno?

Em pessoas diagnosticadas com transtorno de compulsão alimentar, o tratamento deve ser realizado de forma interdisciplinar. “A base é composta por psicólogo, nutricionista e psiquiatra. Outros profissionais também podem estar incluídos, como por exemplo endocrinologista e educador físico”, diz Flávia Teixeira.

Mariangela Venas alerta, sobretudo, a necessidade de investigar possíveis transtornos associados, como depressão e ansiedade. Nesses casos, o uso de medicamentos em conjunto com a psicoterapia podem ser fortes aliados.

De acordo com Julie Soihet, nutricionista do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria da USP (IPq-USP), o profissional que lida com pacientes de Transtorno de Compulsão Alimentar possuem um treinamento e manejo muito específicos. “O ponto principal é desencorajar a prática de dietas. As restrições alimentares colaboram e reforçam a compulsão, além de promoverem uma má relação com os alimentos”, explica Julie.

A nutricionista conta que as sessões com pacientes de TA são feitas em ambientes seguros, acolhedores e livres de julgamento. “O nutricionista precisa sair do papel de ‘fiscalizador de prato’ e ‘emagrecedor’ para de fato ajudar esse paciente”, afirma.

A compulsão alimentar e a fome emocional

Julie relata que a compulsão alimentar é bem diferente da fome emocional, apesar dos dois termos serem constantemente confundidos. “Todos nós aprendemos a comer em resposta as nossas emoções. Ele [fome emocional] acontece quando nos recompensamos com uma sobremesa depois de um dia difícil, ou quando beliscamos em resposta ao tédio. Ele também pode acontecer quando comemos para comemorar ou para nos confortar. Esse comportamento nem sempre é voraz como a compulsão alimentar”, aponta a nutricionista.

No entanto, Julie aponta que também é necessário prestar atenção à recorrência e automatismo desse comportamento: “Toda vez que comemos em resposta a uma emoção perdemos a oportunidade de senti-la e endereçá-la em psicoterapia, por exemplo”.

Como ajudar alguém com TA?

“Estou totalmente descompensada na alimentação, estou muito ansiosa. Eu já tive questões alimentares. Então, estou depositando tudo na comida […] Parece que o único momento em que não penso, que não fico ansiosa, é o momento que eu como, mas, logo em seguida, já vem de novo”, disse Yasmin Brunet durante o BBB.

A modelo já sofreu diversos comentários negativos e julgamentos por parte de outros participantes após vivenciar episódios de compulsão durante o confinamento.

A psicóloga Mariangela ressalta que, diante desse cenário, nenhum julgamento é válido. “Não se trata de força de vontade, de falta de educação. Trata-se de sofrimento psíquico e, como tal, deve ser acolhido e respeitado”, explica.

De acordo com a especialista, o primeiro passo para ajudar alguém com TA é tentar orientar a busca por ajuda especializada e por profissionais que poderão assessorar no resgate do bem-estar.

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