Saiba como proteger os joelhos sem desistir dos treinos

Dentre todos os conselhos não solicitados, poucos foram distribuídos de forma tão ampla e com menos evidências científicas do que esse: “Se você continuar com essas corridas, vai estragar seus joelhos”.

A última descoberta no debate sobre joelhos e corrida — uma revisão de 43 estudos antigos de ressonância magnética que não encontrou evidências de que a corrida causa danos a curto ou longo prazos à cartilagem do joelho — provavelmente não convencerá aquele atleta de ponta que você conhece que jura que seu joelho machucado foi causado pelas corridas.

Mas, uma vez que se espera que quase metade dos americanos desenvolva uma dolorosa osteoartrite do joelho em algum momento de suas vidas, as descobertas levantam uma questão incômoda: se deixar de correr não irá proteger seus joelhos em um passe de mágica, o que o fará?

Nutra a cartilagem

Os pesquisadores começaram recentemente a repensar dogmas antigos sobre as propriedades da cartilagem, a camada lisa de tecido que protege os ossos do joelho e outras articulações e cujo colapso é a principal causa da osteoartrite.

— Como a cartilagem não tem suprimento de sangue ou nervo, costumávamos pensar que ela não poderia se adaptar ou se reparar —, disse Michaela Khan, pesquisadora de doutorado da Universidade de British Columbia e principal autora da nova revisão sobre corrida e cartilagem, que foi publicada na revista Sports Medicine.

Mas não é esse o caso. Atividades cíclicas de sustentação de peso, como caminhar e, pasmem, correr comprimem a cartilagem na articulação do joelho como uma esponja, expelindo resíduos e, em seguida, puxando um novo suprimento de fluido rico em nutrientes e oxigênio a cada passo. Em vez de um amortecedor inerte condenado a ficar quebradiço e eventualmente falhar com a idade, disse Khan, a cartilagem é um tecido vivo que se adapta e se desenvolve com seu uso regular.

Isso explica por que, por exemplo, em um pequeno estudo de 2010, os não corredores que seguiram um programa de corrida de 10 semanas viram uma melhora de 1,9% em um marcador de força e qualidade da cartilagem.

Também ajuda a explicar por que trocar uma forma de exercício por outra ao primeiro sinal de dor no joelho pode ser contraproducente. Pessoas com problemas incipientes nos joelhos frequentemente mudam para atividades de baixo impacto como natação e ciclismo porque acreditam que isso protegerá suas articulações, disse Jackie Whittaker, fisioterapeuta e pesquisadora de artrite da Universidade de British Columbia, “mas na verdade o que estão fazendo é matar a cartilagem de fome”.

Treinos curtos e frequentes

Há um limite para a rapidez com que a articulação se adapta a tensões desconhecidas. Jean-François Esculier, chefe de pesquisa da The Running Clinic e co-autor do estudo, ao lado de Kahn, sugere que a dor no joelho que persiste por mais de uma hora após o exercício, ou que surge na manhã seguinte ao treino, é um sinal de que a articulação estava sobrecarregada. Isso não significa que você precisa parar de se exercitar, disse ele, mas que você deve ajustar o que está fazendo.

Considere treinos mais curtos e frequentes. De acordo com Keith Baar, fisiologista da Universidade da Califórnia, que estuda as propriedades moleculares da cartilagem e de outros tecidos conjuntivos, as células da cartilagem respondem positivamente ao exercício por cerca de 10 minutos. Depois disso, você está apenas acumulando mais estresse e danos no tecido, sem outros benefícios adaptativos. Portanto, se um treino de tênis semanal de duas horas deixa você com dores nos joelhos, considere substitui-lo por duas sessões semanais de uma hora.

Atleta de fim de semana

Claro, nenhum treino ocorre no vácuo: o que seus joelhos podem aguentar hoje depende do que você fez com eles nas semanas e meses anteriores. É por isso que a chegada da temporada de esqui é uma fonte de carnificina previsível para fisioterapeutas, à medida que entusiasmados atletas de fim de semana chegam às pistas de esqui após meses de inatividade.

Whittaker sugere encarar o primeiro dia de esqui com suavidade e estar disposto a encurtar os dias subsequentes quando sentir que os músculos das pernas ou articulações estão cansados.

— É o pace que está se adaptando à capacidade do seu corpo para lidar com a carga — ela explica.

Melhor ainda, ela sugere fortemente fazer algum treinamento de força para preparar suas pernas antes de colocar qualquer novo estresse sobre elas. Um programa simples e genérico de agachamentos e passadas pode fortalecer os músculos que mantêm os joelhos estáveis e enrijecer os tendões e ligamentos ao redor da articulação.

Para começar, tente fazer três séries de 10 a 15 repetições, levantando um peso que o deixe com os músculos trêmulos e a sensação de que você poderia ter feito mais duas ou três repetições, se necessário.

Distância do hospital

No entanto, a longo prazo, o risco mais sério de atividades como o esqui não é o agachamento prolongado. E, sim, as lesões traumáticas no joelho, como no ligamento cruzado anterior, que em quase metade dos casos leva à osteoartrite em cinco a 15 anos. Isso se deve em parte a danos persistentes ou instabilidade na articulação, mas também porque as pessoas tendem a ser menos ativas e, consequentemente, ganhar peso mesmo depois que o joelho cicatriza.

Na verdade, de acordo com um estudo, o maior risco de osteoartrite do joelho observado entre ex-atletas de elite em esportes como futebol é amplamente explicado por um histórico de lesão traumática no joelho, e não pelo desgaste acumulado.

Felizmente, o risco de lesões agudas no joelho pode ser reduzido pela metade com a implementação do chamado programa de treinamento “neuromuscular”, explica Ewa Roos, pesquisadora de osteoartrite da Universidade do Sul da Dinamarca. Exercícios específicos adaptados a cada esporte promovem bons padrões de movimento que mantêm as articulações estáveis e podem ser realizados por conta própria por 15 minutos, três vezes por semana, ou como aquecimento pré-treino.

Roos recomenda o site norueguês fittoplay.org, que oferece programas neuromusculares detalhados para mais de 50 esportes. O esqui alpino, por exemplo, começa com exercícios como agachamento de peso corporal, mudanças de peso, dobras de Bosu e saltos para frente, depois progride para outros mais desafiadores.

Otimize seus movimentos

Para os atletas, os benefícios de tais programas preventivos são claros. Para uma pessoa comum, sem dor no joelho, é mais discutível.

“Também é uma questão filosófica”, diz Roos: há o risco de se “medicalizar” excessivamente a vida ao gastar toda sua energia tentando prevenir problemas que ainda não aconteceram.

Mas existem algumas maneiras sutis de reduzir os riscos, mesmo se você estiver saudável no momento.

Roos sugere focar em padrões de movimento de alta qualidade durante as atividades do dia-a-dia, como levantar de uma cadeira: use os dois pés e nenhuma mão, e mantenha o joelho e o quadril alinhados ao pé. Aplique um foco semelhante para subir escadas e sentar-se no banheiro; se você não consegue manter as articulações alinhadas, é um sinal de que você precisa fortalecer os músculos da perna e do quadril.

Não busque milagres

Não há grandes evidências de que suplementos como glucosamina e condroitina façam alguma diferença, de acordo com Roos e Whittaker — embora também não pareçam ser prejudiciais.

— Mas você também pode fazer alguma atividade cíclica de levantamento de peso e assim por diante — diz Whittaker.

Existe uma possível exceção intrigante. Um pequeno estudo de 2011 realizado por pesquisadores do Tufts Medical Center descobriu que a qualidade da cartilagem do joelho melhorou após seis meses de ingestão de 10 gramas de colágeno por dia. Mais recentemente, a pesquisa de Baar sobre ligamentos cultivados em laboratório, que, assim como a cartilagem, são feitos principalmente de colágeno, também sustenta a ideia de que consumir colágeno antes do exercício pode desencadear uma nova síntese de colágeno no corpo. Mas, por enquanto, os benefícios do mundo real dessa abordagem ainda não foram comprovados.

Para Whittaker, a prioridade continua sendo desconstruir a noção de que você deve parar de se exercitar assim que sentir dor no joelho. Manter-se ativo, fortalecer os músculos ao redor da articulação e desenvolver bons padrões de movimento podem alterar e, em alguns casos, reverter essa trajetória, disse ela.

— Muita gente pensa que a osteoartrite é apenas uma consequência normal do envelhecimento, mas não é inevitável. Há muita coisa que você pode controlar.

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