Vacinas contra vírus Epstein-Barr, ligado a mononucleose e câncer, entram em teste com humanos

Epstein-Barr viruses, EBV. Transmission electron micrograph of Epstein-Barr viruses in Burkitt's lymphoma, seen as circles with central, dark staining nucleic acid (DNA). EBV, also known as human herpes virus 4, is 1 of 5 herpes viruses that attacks humans. In Europe & US infection may produce glandular fever; in Central Africa EBV infection may lead to Burkitt's lymphoma (a facial cancer in children). In both infections, the virus infects one type of white blood cell, the B lymphocytes. Infection with EBV is common & usually harmless; additional factors potentiate the development of more serious diseases. Magnification: x337,500 at 8x10 inch size.

Duas vacinas em estágio inicial de desenvolvimento para combater o vírus Epstein-Barr (EBV), patógeno causador da mononucleose que eleva risco de câncer, entram em testes clínicos neste ano. Um dos produtos em desenvolvimento, criado pela empresa de biotecnologia Moderna, dos EUA, está recrutando voluntários. Outra delas, da multinacional francesa Sanofi, anunciou hoje bons resultados em testes com animais.

O EBV é pouco conhecido pelo público apesar de infectar mais de 95% da população adulta aos 40 anos de idade. Ele eleva o risco de diversos tipos de tumores, sobretudo linfomas (câncer do sistema linfático) e de nariz e garganta. Mais recentemente, o vírus foi associado também a casos de esclerose múltipla, doença em que o sistema imune ataca o próprio organismo.

Na maioria das pessoas, o Epstein-Barr permanece “adormecido”, em forma latente. Quando manifesta viremia aguda, ele provoca a mononucleose, caracterizada por inflamação dos gânglios linfáticos e possível inchaço no pescoço.

Descoberto há cinco décadas, esse vírus da família da herpes não recebia antes tanta atenção da pesquisa aplicada e da indústria farmacêutica. Apesar de o EBV ser o principal causador da mononucleose infecciosa, sua importância epidemiológica está mais ligada às consequências indiretas, muitas delas descobertas mais recentes.

As vacinas criadas agora contra contra o EBV usam tecnologias novas para tentar neutralizá-lo. O imunizante da Moderna emprega o RNA, material genético do vírus, para produzir antígenos, as moléculas similares as proteínas produzidas pelo vírus que ajudam a “treinar” o sistema imune a combatê-lo. Essa é a mesma tecnologia da vacina contra Covid-19 que a empresa produz.

A vacina da Sanofi, desenvolvida em parceira com a empresa de biotecnologia ModeX, é uma tecnologia ainda mais recente. Ela usa nanopartículas (na escala nanômetros, ou milionésismos de milímetro) que são injetadas no organismo e se agrupam espontaneamente para formar moléculas similares às proteínas do vírus.

Testes em animais

 

Em um estudo publicado hoje, cientistas dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde), relatam o teste de uma combinação de duas vacinas de nanopartículas diferentes da Sanofi/ModeX em animais. Foram usados no teste furões, macacos Rhesus e camundongos. Os roedores foram geneticamente modificados para simular o sistema imune humano, já que o EBV normalmente só infecta pessoas.

Em uma das vacinas testadas, os cientias usaram uma proteína de superfície do vírus como modelo para o antígeno. Na outra usaram três proteínas diferentes, em busca de melhor eficácia.

“Nós projetamos uma vacina de nanopartículas que exibe essas proteínas e mostramos que ela gera potentes anticorpos neutralizantes contra infecção” escrevem os pesquisadores, liderados por Chih-Jen Wei, da farmacêutica. “Isso dá condições para continuar avaliações em testes humanos.”

A Sanofi não revelou hoje quando pretende começar os testes das vacinas combinadas, mas já está em andamento o recrutamento de 40 volutários para a fase inicial da primeira vacina. O resultado do estudo pré-clinico está na edição de hoje da revista Science Translational Medicine. A Moderna ainda não revelou resultados de testes em animais, mas recebeu autorização para recrutar 272 pessoas em um estudo de fase 1. Alguns já receberam a primeira dose. A fase 1 deverá levar 18 meses de acompanhamento.

“O objetivo é recrutar uma resposta imune robusta para uma gama ampla de proteínas usadas pelo vírus para entrada nas células, de forma a proteger contra infecção e contra a doença da mononucleose”, afirma em comunicado a cientista Katherine Luzuriaga, da Universidade de Massachusetts, parceira da Moderna no teste clínico.

Ataque ao sistema imune

 

As células normalmente atacadas pelo EBV são os linfócitos B, do sistema imune. O vírus provoca câncer porque estimula essas células se multiplicarem desenfreadamente, de forma que ele mesmo também possa se reproduzir mais. Por causa dessa capacidade, as consequências indiretas da infecção são mais preocupantes até do que a viremia em si, a mononucleose.

— A mononucleose, aqui no Brasil, é conhecida em alguns lugares como ‘doença do beijo’, porque já foi comum a ocorrência de surtos entre universitários. Ela é transmitida quando há uma troca de saliva, também entre crianças pequenas que costumam por brinquedos na boca —, explica a infectologista Raquel Stucchi, professora da Unicamp. — É uma doença aguda que normalmente nem dá sintoma. Quem tem sintoma se sente mal por uns dez dias e depois tem a sensação de que tudo está resolvido, mas não é bem assim.

A cientista explica que, com o acúmulo de descobertas associando o vírus Epstein-Barr a linfomas, esclerose e até síndrome de fadiga crônica, a preocupação que o patógeno gera na saúde pública aumentou. Os mecanismos que tiram o vírus do estado de latência para provocar cânceres ainda são mal conhecidos, por isso a aposta em uma vacina que evite a infecção talvez seja o melhor caminho para combater o EBV.

— O impacto da infecção por Epstein-Barr é bem mais tardio, quando comparado ao de muitas outras viroses, mas isso não significa que ele não seja importante. Desse ponto de vista ele é similar ao impacto da hepatite B. — diz Stucchi. — Conseguir uma vacina para ser aplicada pouco depois de a criança nascer é algo que poderia ser muito positivo.

Comments are closed.

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More

Privacy & Cookies Policy