Ouriços carregam bactérias resistentes a antibióticos

A resistência bacteriana a antibióticos já foi apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos dez principais problemas de saúde pública global. Só nos EUA, de acordo com dados do CDC, aproximadamente 2,8 milhões de doenças causadas por bactérias resistentes são reportadas por ano, causando aproximadamente 35 mil mortes.

Staphylococcus aureus é uma bactéria comum de pele e mucosas, presente em 30% da população. Costuma ser inócua, mas pode causar doença se invadir a corrente sanguínea ou chegar ao pulmão. É bastante conhecida por causar doenças em ambientes hospitalares. Muitas vezes carrega resistência a diversos antibióticos, mais comumente à meticilina. Quando se torna resistente a esse antibiótico em especial, o microrganismo ganha o nome de MRSA — sigla em inglês para “Staphylococcus aureusresistente à meticilina”. Essa forma da bactéria pode ser muito difícil de tratar.

Dados do CDC mostram que duas em cada 100 pessoas carregam MRSA no nariz. Mesmo que elas não desenvolvam doença, isso quer dizer que a resistência a antibióticos está lá, e pode ser passada para outras bactérias por transferência horizontal de genes: quando bactérias trocam informação genética com as vizinhas! A primeira MRSA foi identificada na década de 1960.

Antibióticos começaram a ser produzidos em larga escala durante a Segunda Guerra Mundial, sendo que o primeiro foi a penicilina, que rendeu o Prêmio Nobel para Alexander Fleming, Ernst Boris Chain e Howard Walter Florey em 1945. No discurso da premiação, Fleming já previa os perigos do uso exagerado ou incorreto do antibiótico: “Não é difícil isolar bactérias resistentes à penicilina no laboratório, ao expô-las a concentrações insuficientes para matá-las. E o mesmo pode acontecer no corpo humano”.

Hoje sabemos que o uso indiscriminado de antibióticos na medicina e na veterinária causa o surgimento de bactérias multirresistentes, que se tornaram a ameaça descrita pela OMS. Também sabemos que antibióticos naturais são primordialmente produzidos por fungos e bactérias: são armas que microrganismos usam uns contra os outros na competição por espaço e alimento. Quantas espécies de bactérias resistentes já devem, portanto, existir na natureza, e qual a probabilidade de nós, ou nossos animais de criação, termos contato com elas?

Estudo conduzido por pesquisadores ingleses e dinamarqueses, publicado na revista Nature, oferece uma primeira resposta. Eles analisaram ouriços — o mesmo bichinho que, estilizado, protagoniza o game Sonic — e encontraram MRSA em 60% dos animais. Analisando o DNA das bactérias deduziram que os genes de resistência existem nessa espécie há cerca de 200 anos, muito antes da humanidade “inventar” seu primeiro antibiótico.

Acontece que os ouriços têm na pele um fungo que produz um antibiótico da classe da meticilina. Logo, ter um gene de resistência confere vantagem às bactérias que estão ali, competindo com o fungo. Os autores também acreditam que a MRSA dos ouriços tenha se espalhado entre animais de criação da Dinamarca.

O fato de haver genes de resistência na natureza era esperado. Sabemos que os maiores produtores de antibióticos são bactérias e fungos que habitam o planeta há bilhões de anos. A confirmação da resistência em animais selvagens, no entanto, serve de lembrete de que o mundo é interconectado, e que quando invadimos o habitat de animais selvagens, entramos em contato com os microrganismos que eles trazem. Isso é verdade para vírus letais e, agora temos certeza, também para bactérias multirresistentes.

Na prática, o uso indiscriminado de antibióticos continua sendo o maior responsável pelo problema. Mas ao avançar, também indiscriminadamente, sobre áreas naturais e perturbar seus ecossistemas, corremos um sério risco de agravá-lo.

Comments are closed.

This website uses cookies to improve your experience. We'll assume you're ok with this, but you can opt-out if you wish. Accept Read More

Privacy & Cookies Policy