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Cresce o uso de testes genéticos que ajudam na criação de dietas precisas e individualizadas

SÃO PAULO — Desde o sequenciamento do genoma humano, há cerca de duas décadas, a genética faz cada vez mais parte do nosso dia a dia. A realização de testes para diagnosticar e avaliar a predisposição a doenças hereditárias já é realidade. Agora, isso começa a se ampliar para outras áreas, como a nutrição, e possibilita o surgimento de um novo conceito: a nutrição de precisão. Ele consiste na ideia de que cada indivíduo tem necessidades únicas e, portanto, uma mesma dieta não serve para todo mundo.

Todo mundo sabe que para ter uma dieta e estilo de vida saudável é preciso comer mais alimentos integrais, evitar o excesso de açúcar, álcool, alimentos processados e gordura saturada, dormir o suficiente e praticar atividade física. Por outro lado, quanto mais a dieta e os bons hábitos  de vida puderem ser adaptados para atender às necessidades, preferências e hábitos individuais, melhores e mais sustentáveis serão os resultados.

— A nutrição de precisão é um tipo de nutricão que utiliza exames de última geração, como testes genéticos, de metabolômica e de análise de intestino, para tornar uma prescrição mais assertiva — explica a nutricionista Annete Marum, doutoranda pela Unifesp e coordenadora da pós-graduação em Nutrição de Precisão da Plenitude Educação.

Por exemplo, você já se perguntou por que algumas pessoas se saem muito bem com uma dieta rica em gordura, enquanto outras desenvolvem triglicerídeos ou colesterol altos na mesma dieta? Todo mundo conhece aquela pessoa que come muito e não engorda. Ou ainda alguém que perdeu peso ao reduzir carboidratos, enquanto para outros, o emgrecimento ocorre justamene com o aumento de carboidratos complexos e redução da gordura. Pois bem, parte da explicação para essas diferenças está nos nossos genes. Na forma como eles metabolizam os nutrientes e na nossa predisposição a determinadas doenças.

Por isso, os testes genéticos são uma parte muito importante dessa abordagem, mas não a única. Esqueça aquela famosa “dieta do DNA”, que fornece um plano alimentar apenas com base nos resultados deste exame. Todos os especialistas ouvidos pelo GLOBO são categóricos em dizer que isso não existe.

— Existem várias empresas hoje que comercializam esses testes. Mas não existe a “dieta do DNA”. Hoje, não é possível prescrever uma dieta apenas pela análise de DNA — afirma a nutricionista Maria Aderuza Horst, professora da Universidade Federal de Goiás (UFGO) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Genômica Nutricional da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban).

Por outro lado, a análise do DNA é uma parte importante da avaliação nutricional do paciente. Os resultados desse exame indicam se a pessoa tem predisposição a doenças cardiovasculares, obesidade, pressão alta e diabetes, por exemplo. Ou ainda, se possui intolerância a lactose, doença celíaca, se metaboliza melhor gordura ou carboidrato. Em conjunto com outros dados, como histórico familiar, hábitos de vida e objetivos, esses resultados indicam ao nutricionista quais intervenções alimentares podem ajudar o paciente a reduzir o risco de desenvolver tais condições e ter uma vida mais saudável.

— Com essas informações, conseguimos fazer ajustes na dieta. Mas tudo faz parte de um contexto. O teste sozinho não diz nada, até porque precisamos entender qual é o objetivo do paciente. Se ele quer emagrecer, ganhar massa, reduzir o colesterol ou ter uma saúde melhor em geral — diz Horst.

Por exemplo, algumas pessoas apresentam deficiência de vitamina B e vitamina D mesmo se alimentando bem e tomando sol. O teste genético pode ajudar a identificar se essa pessoa possui uma variação genética que prejudica o funcionamento de enzimas ou receptores associados a essas substâncias. Com base nessa informação, o profissinal pode decidir suplementar com uma dosagem maior ou adotar outras intervenções.

A metionina é um aminoácido importante em vários processos metabólicos no corpo criados pela atividade de uma enzima no folato (vitamina B9). Uma mutação no gene que produz esta enzima leva a uma menor produção de metionina, causando um risco aumentado de doença vascular. Uma dieta rica em folato pode ajudar a aliviar esse risco.

— Isso quer dizer que a pessoa tem ou vai desenvolver a doença? Não. É apenas um risco. Do mesmo jeito, a alteração na alimentação não vai acabar com esse risco porque o desenvolvimento da doença depende de vários fatores. Mas vai ajudar a minimizá-lo — explica Horst.

Os exames são indolores e usa-se uma espécie de cotonete –  o famoso swab – para colher o material genético da parte interna da bochecha. Nos últimos anos, essa tecnologia se tornou mais acessível e hoje, é possível realizar um bom teste genético por cerca de 1.500 reais. Para fator de comparação, há cinco anos, eles chegavam a custar 4 mil reais. A expectativa é que na próxima década, realizar um exame genético se tornará tão rotineiro e acessível quanto um hemograma.

Como a alimentação interage com os genes

O que abriu caminho para a nutrição personalizada é um campo científico chamado nutrigenômica, que estuda a forma como os alimentos interagem com nosso genoma, que é o que direciona a maneira como o corpo funciona até o nível celular. Os genes produzem proteínas, enzimas, receptores e transportadores que regulam o funcionamento do nosso corpo. Descobriu-se que os nutrientes e componentes presentes nos alimentos interagem com esses genes, podendo ativá-los ou desativá-los. Isso, por sua vez, interfere diretamente na nossa saúde, bem-estar, longevidade e no risco do desenvolvimento de doenças.

Isso significa que se entendermos de que forma os alimentos interagem com a expressão desses genes, podemos utilizar isso ao nosso favor para prevenir e até mesmo auxiliar no tratamento de doenças. Por exemplo, o gene da obesidade tem função de promover o acúmulo de gordura corporal. Se esse gene está muito ativado, a pessoa irá acumular gordura e engordar. Por isso, o ideal é que ele esteja menos expresso, mas não inativo, pois o tecido adiposo tem outras funções, como a manutenção da temperatura corporal. Por outro lado, precisamos que um gene que produz uma enzima antioxidante, que defende as células do dano do stress-oxidativo esteja super expresso.

A nutrigenômica busca justamente entender de que forma os alimentos atuam nessa regulação. Esse é um campo de conhecimento que ainda engatinha, mas houve muito progresso, em especial nos últimos cinco anos.

Já sabemos, por exemplo, que a vitamina D, os polifenois e o Ômega-3 são substâncias que interagem com o nosso organismo de forma positiva, aumentando a expressão de genes protetivos. A naringina, presente em frutas cítricas, favorece a expressão de genes antioxidantes e anti-inflamatórios.

Componentes como o sulforafano, encontrados em vegetais como repolho, brócolis e couve-de-bruxelas, podem inibir naturalmente a modificação molecular de histonas, proteínas ligadas ao DNA. Isso impediria que certos genes específicos do câncer pudessem se expressar. Carotenoides, como o licopeno, presente no tomate e na melancia, estão associados à redução do risco de câncer de próstata.

Por outro lado, a gordura saturada  e o bisfenol, um composto presente no plástico, se ligam a fatores que aumentam a expressão de genes prejudiciais, que podem levar ao risco de problemas cardiovasculares e fertilidade. Já as substâncias químicas presentes nos alimentos ultraprocessados, podem provocar danos no DNA, o que aumenta o risco de câncer.

— É um campo muito interessante. Não há dúvida sobre a interação entre genética e alimentação. A questão é que ainda não se conhece todos os aspectos disso — diz o geneticista Salmo Raskin, diretor do Laboratório Genetika, de Curitiba.

A expectativa é que esse conhecimento avance nos próximos anos. Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) planejam gastar 170 milhões de dólares nos próximos cinco anos em estudos sobre nutrição de precisão, para compreender como todos esses fatores podem interagir. Espera-se que, no futuro, seja possível desenvolver algoritmos que prevejam como os indivíduos respondem a alimentos e dietas e, em seguida, realizar recomendações dietéticas e de hábitos de vida personalizadas para uma vida mais saudável.

— Quando você faz uma dieta baseada nas recomendações genéticas, você respeita as suas facilidades e dificuldades genéticas. Assim, o corpo fica mais saudável, o que gera emagrecimento, fortalecimento, aumento de massa muscular, melhora de cognição. Enfim, mais saúde. Mas o paciente precisa entender que não é milagre. Ele também precisa fazer sua parte — ressalta a nutricionista Annete Marum.

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