Novas ferramentas ajudam no diagnóstico precoce e tratamento do autismo

SÃO PAULO — Uma memória da infância da coordenadora de projetos sociais Laryssa Smith a fez determinar que a inclusão seria um ponto fundamental na criação do filho Pedro, de 8 anos, diagnosticado com autismo.

— Fui à casa de alguém conhecido e ouvi, de um quarto, uma criança que fazia barulhos diferentes. Os pais falaram que ela tinha uma deficiência — explica.  — Quando descobri o diagnóstico do meu filho, jurei pra mim que ele não seria mais uma criança escondida dentro de casa.

Levando como mantra a ideia de que Pedro está inserido numa realidade partilhada por todos e não em “seu próprio mundinho” — como é comum ouvir em relação às crianças que tenham o  Transtorno do Espectro Autista (TEA) —  Laryssa compartilha o dia a dia do filho em uma página no Instagram. Por ali, o menino aparece fazendo terapia aquática, brincando com jogos eletrônicos, ou simplesmente interagindo com a mãe. O comportamento de Pedro, explica a mãe, é fruto de terapias e outras atividades de estímulo. Uma delas, para aprender a cantar, foi iniciado por meio de vídeos disponíveis na internet, que ensinaram à Laryssa como abordar o filho corretamente.

Há na atividade de Laryssa mais do que um simples registro da realidade e das trivialidades do dia a dia. Em sua página, e outras semelhantes, os seguidores são muitas vezes mães e pais em situação parecida, reunídos para trocar experiência sobre os filhos que apresentam algum dos aspectos desse distúrbio do neurodesenvolvimento: desde atrasos na fala, até comportamentos estereotipados e dificuldades de estabelecer contato com outras pessoas.

Essa ideia de conversar abertamente sobre o autismo dos filhos dentro e fora das redes é parte de um novo capítulo em relação à forma como se encara o transtorno dentro das famílias. Nesse cenário, mães e pais, sobretudo, se reúnem em fóruns online para falar sobre a rotina dos filhos, partilhar dicas, ou simplesmente apoiar-se em um dia em que as coisas parecem mais difíceis. A evolução de outra criança, dizem, é combustível para insistir nas terapias dos próprios filhos, buscando ajudá-los a desenvolver novas habilidades ou aprimorar as que eles já tem. Os grupos e páginas online, embora ofereçam apoio emocional à família, não substituem o acompanhamento médico adequado. Fundamental para a evolução da criança, é importante dizer.

Família mais integrada

Há, por meio do maior conhecimento sobre o tema — devido, sobretudo, aos avanços científicos e sociais sobre o tema — uma inclusão de mais parentes interessados em partilhar a rotina da criança.

— Agora os avós sabem do que estamos falando, o que é (o autismo), e sabem o que fazer. Os tios também estão muito ligados. Antes, somente as mães buscavam por mais informações e as outras pessoas ficavam em negação, por não saberem do que se tratava — diz a psicóloga e neurocientista Mayra Gaiato, fundadora do Instituto Singular, em São Paulo.

A movimentação que Mayra vê é positiva: de acordo com ela, as famílias estão mais abertas a aceitar o diagnóstico e tornam-se dispostas a realizar tarefas e terapias que trarão benefício às crianças.

Diagnóstico ainda é difícil

A identificação do autismo em crianças, mesmo quando elas apresentam características consideradas clássicas do espectro — a exemplo de não verbalizar palavras dentro da idade comum às crianças neurotípicas, ignorar o chamado dos pais e evitar contato visual — ainda é um desafio para as famílias. Isso porque não existe nenhum tipo de exame biológico ou clínico que emita um laudo oficial de que a criança tem autismo. É preciso observá-la em diversos aspectos, conhecer seus hábitos, rotinas, compreender o que a incomoda e, só assim, determinar se há autismo (ou não).

Mães e pais relatam que os médicos de rotina, como os pediatras, têm medo de avançar no diagnóstico. Outros, dizem que, por vezes, é necessário uma romaria de visitas a outros especialistas para que, por fim, se chegue um veredicto do diagnóstico da criança.

— Estamos cada vez mais treinando pediatras. Eles se deram conta que há uma demanda muito grande e que precisam saber mais, porque o número de crianças com alterações do neurodesenvolvimento é enorme, e só uma parcela delas tem autismo. Então, não fazer o diagnóstico é um grande problema e fazer em quem não tem também é um problema — diz Guilherme Polanczyk, médico psiquiatra de crianças e adolescentes e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Há ainda o receio de alguns pais de buscar diagnóstico para criança, sob o medo de “rotulá-la”. Esse comportamento está inserido em uma realidade brasileira em que ainda não é possível mapear o número de crianças autistas. Pois não existe levantamento numérico oficial das crianças com esse disturbio. Um país que realiza essa contagem, contudo, são os Estados Unidos, onde a prevalência de meninos e meninas dentro do espectro triplicou em dezesseis anos.

O professor Guilherme explica que esse aumento pode ser multifatorial e não necessariamente um avanço do autismo. Houve, ao longo desse período, maior conhecimento do transtorno, mudança de critérios diagnósticos, além de questões puramente burocráticas que possam aumentar essa conta, dando a impressão que o número de autistas cresceu.  A determinação se o disturbio está em ritmo de crescimento nos EUA, ou não, deverá ser conhecido com mais clareza nos próximos anos.

Tecnologia como aliada

Em paralelo aos avanços comportamentais e clínicos, a tecnologia começa a apresentar respostas sobre o tema. Um estudo recente publicado na revista  JAMA, por pesquisadores da Austrália e do Reino Unido,  mostrou que o início da terapia — mesmo antes do diagnóstico, preferencialmente feito a partir dos 18 meses de idade — levou à redução dos comportamentos considerados do espectro autista na primeira infância.

As crianças avaliadas tinham entre 9 e 14 meses de idade e apresentavam indícios de que poderiam integrar o espectro, por conta de alguns comportamentos iniciais. O grupo que não passou por terapia teve três vezes mais (21%) crianças diagnosticadas com autismo, por volta dos 3 anos de idade, em comparação com o grupo em que houve a realização das atividades (7%).

A tecnologia, aqui, surge como ferramenta para facilitar a conversa entre especialistas e a família do bebê. Após as orientações oferecidas em vídeo, pelo terapeuta, gravava-se a interação dos pais com os pequenos. Depois disso, os especialistas assistiam às sessões e podiam oferecer feedbacks.

— No estudo, são indicadas intervenções simples, como tentar observar como a criança brinca, por exemplo. Tem um terapeuta que entrega o vídeo, explica como é para ser feito, mas não é um especialista que está todos os dias com os pais. Esses vídeos ensinam como agir em determinado momento, o que gera um resultado positivo — diz Pollyana Lima, chefe da neuropediatria da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Outra inovação foi aprovada em junho pela Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora da área da Saúde nos Estados Unidos. Trata-se do aplicativo Cognoa, desenhado para ajudar médicos generalistas e pais a avançar no diagnóstico de autismo, por meio de inteligência artificial e especialistas treinados, em uma central remota, para identificar características do espectro em gravações de vídeo.

Aqui no Brasil, o avanço se desenha em torno do eye-tracking, uma ferramenta que consegue identificar a atenção visual da criança ao observar, por exemplo, uma figura humana. Uma das instituições está em testes com o apetrecho é o Instituto Pensi — Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil, ligado ao Hospital Sabará, em São Paulo.

— É uma câmera bem pequeninha que acoplamos a um monitor, onde mostramos imagens que chamam bastante atenção. Para crianças bem pequenas exibimos, por exemplo, uma bola e uma pessoa sorrindo. Geralmente, os autistas vão olhar mais para a bola — explica Yasmine Martins, coordenadora científica do Instituto Pensi. Os estudos com a participação de crianças devem começar em duas semanas. É uma nova janela de oportunidade que se abre.

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