
Quando a pandemia do coronavírus começou, o filho de Antoinette Taft, Noah, que tinha 12 anos na época, desapareceu em um mundo de telas. Ele passava horas sozinho no quarto, jogando Fortnite e outros videogames. Quando Taft, 50, tentou convencê-lo a sair, o adolescente ficou indignado e implorou por um aparelho. No auge, ele ficava on-line entre 16 e 17 horas por dia.
— Tenho vergonha de dizer que descobri que ele estava colocando um alarme para brincar com seus amigos da Costa Leste às quatro ou cinco da manhã — conta Taft, que mora em Albuquerque e tem outros quatro filhos.
Ela e Noah já tiveram um vínculo caloroso, mas quando a pandemia começou, ela “não conseguiu falar com ele”, disse Taft. Noah, que agora tem 14 anos, evitou as tarefas e trabalhos escolares. Quando sua mãe tentou argumentar, ele bateu as portas e gritou.
Para Taft e pais como ela, manter uma conexão emocional com um adolescente durante a pandemia não foi uma tarefa fácil. E as raízes dessa desconexão podem estar nas lutas emocionais das crianças. Em uma pesquisa dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, mais de um terço dos estudantes do ensino médio disseram que tiveram problemas de saúde mental durante a pandemia e 44% disseram sentir sentimentos persistentes de tristeza ou desesperança, um aumento de quase 37% em 2019. Ao mesmo tempo, as estimativas sugerem que a quantidade média de tempo que os jovens passam na frente das telas pode ter dobrado durante a pandemia – uma tendência que os pesquisadores acreditam que pode estar contribuindo para a piora na saúde mental dos adolescentes.
Tentar se aproximar de um adolescente nessas circunstâncias pode parecer impossível, mas fortalecer o vínculo emocional com seu filho ajuda a longo prazo. Relações parentais fortes estão ligadas a níveis mais altos de autocontrole em jovens, bem como a uma maior autoestima. A pesquisa também sugere que os adolescentes, geralmente, gostam e admiram os pais – e querem passar tempo com eles, mesmo quando estão descobrindo como ser mais independentes.
O New York Times conversou com alguns especialistas em desenvolvimento de adolescentes que compartilharam suas estratégias simples para encontrar conexão com os jovens, já que muitas crianças já voltam pela terceira vez para a escola desde o início da pandemia.
Diminua as expectativas sobre o que ‘conexão’ realmente significa
Quando um pré-adolescente ou adolescente é mal-humorado ou retraído, pode não ter apenas relação com a mudança dos hormônios; é normal que os jovens se afastem dos pais à medida que se desenvolvam. Pesquisas até mostram, por exemplo, que os cérebros dos adolescentes são programados para sintonizar as vozes de suas mães em favor de outras menos familiares.
— Cada adolescente está testando os limites da independência — diz a Jessi Gold, psiquiatra da Universidade de Washington em St. Louis.
Com isso em mente, Julie Ross, diretora executiva da organização de educação parental Parenting Horizons e autora de “How to Hug a Porcupine: Negotiating the Prickly Points of the Tween Years”, disse que os pais devem moderar as expectativas sobre a forte conexão durante a pré-adolescência. Sim, alguns adolescentes permanecem muito próximos de seus pais, mas não é necessário ter conversas profundas e significativas para ter um relacionamento saudável e de confiança.
— Adolescentes não estão ‘em sincronia’ com ninguém, nem mesmo com eles próprios, na maior parte do tempo — diz Ross. Em vez disso, ela incentiva os pais a se esforçarem para estar em sintonia com os filhos adolescentes, o que muitas vezes pode ser feito observando a linguagem corporal ou a maneira como eles estão se conectando com os colegas.
Preste atenção às mudanças de humor ou comportamento, como alterações no comportamento escolar ou diferenças nos padrões de alimentação e sono que duram semanas ou meses, o que pode ser indicativo de um problema maior, como depressão e ansiedade.
— Se eles estão se isolando completamente ou parecem muito, muito zangados com todos, em geral, isso é um sinal de alerta”, fala Gold.
Seja curioso sobre seus interesses
Ross acredita que a melhor maneira de construir uma conexão com os adolescentes é se envolver com eles através de seus interesses. Isso não significa que você tenha que compartilhar sobre os desejos deles, mas ela sugere que os pais mantenham uma “atitude de curiosidade”.
Quando um de seus filhos era adolescente e se interessava profundamente por jogos on-line, Ross conseguiu se relacionar com ele fazendo perguntas sobre as estratégias do jogo. Mas muitos interesses banais podem oferecer oportunidades de conexão. Uma das clientes de Ross se aproximou de sua adolescente ao descobrir qual era a bebida favorita dela no Starbucks e entrega-la depois do treino de futebol. A psiquiatra Katherine Ort, chefe de serviço de psiquiatria infantil e adolescente no Hospital Infantil Hassenfeld em NYU Langone, disse que poderia ser suficiente apenas assistir aos vídeos favoritos dos adolescentes no YouTube ou TikTok junto deles.
Manter o foco de suas conversas nos interesses de um adolescente pode ser particularmente útil se seu filho não for muito falador.
— Deixá-los animados para falar sobre algo que é importante para eles pode fornecer muitas informações e conexões sem anunciar como: ‘gostaria de falar sobre X, Y e Z agora’ — diz Ort.
Faça valer a pena desligar as telas
As estratégias que podem ser úteis para adultos que ficam muito tempo em no celular também podem beneficiar os adolescentes, como experimentar uma tela rapidamente ou reservar um tempo para que eles fiquem longe de seus dispositivos. Modelar esses sacrifícios é importante, acrescentou Ort. Os jejuns de tela podem se tornar um assunto de família.
Se o objetivo não é simplesmente fazer com que os adolescentes diminuam o tempo na frente da tela, mas seduzi-los a passar esse período, de boa vontade, com você, é preciso tornar a alternativa tão atraente quanto o dispositivo, disse ela.
Para descobrir o que isso pode ser para o seu adolescente, faça um brainstorming juntos. Ross trabalhou com pais que se relacionaram com os filhos adolescentes em jogos nojentos como Cards Against Humanity, que apelam para o senso de humor e aliviam o clima. Talvez seu filho queira passear com o cachorro ou experimentar um novo restaurante. O que importa é apresentar uma opção sem a tela, em que eles expressem interesse genuíno.
Tente não julgar e dê um tempo
Como Lisa Damour, uma psicóloga, escreveu no The New York Times, uma razão pela qual os adolescentes não falam com seus pais é eles temerem uma “reação errada”, especialmente se eles estão se abrindo sobre coisas como como ir mal na escola ou experimentar substâncias.
Claro, regras e estrutura são essenciais e todos os pais às vezes julgarão seus filhos. Mas todos os especialistas entrevistados enfatizaram a importância de dar aos adolescentes uma chance de se abrir, sem deixá-los escapar.
— Os adolescentes virão mais até você se não sentirem que toda vez receberão uma palestra. Então, dê o seu melhor quando eles falarem com você, para validar suas emoções e não julgá-los pelo que estão dizendo — sugere Gold.
Para Taft, ter 15 minutos por dia para que ela e Noah possam ter uma conversa aberta sobre o mundo dele — seja sobre algo grande, como um problema com amigos na escola ou sobre algum detalhe do universo dos videogame — ajudou a trazê-los de volta aos poucos. Eles também frequentam sessões de terapia familiar on-line, onde ela aprendeu estratégias para manter limites mais firmes em torno do tempo na frente da tela.
Noah ainda passa cerca de quatro horas por dia on-line — mais do que Taft gostaria. Mas ele também passou o verão indo para uma academia de liderança e um acampamento de pesca, onde pôde sair ao ar livre e se reconectar com os colegas. Isso ajudou no humor em geral e sua mãe está se sentindo confiante de que o novo ano letivo será bom — para Noah e para o relacionamento deles.
— Lentamente a comunicação entre nós voltou a se abrir — conta Taft.
Fonte: O Globo