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AVC e infarto: inteligência artificial conseguiu detectar risco das doenças com mais precisão que humanos

Um sistema de inteligência artificial para prever a ocorrência de doenças cardiovasculares obteve mais de 73% de acerto em um teste clínico que envolveu mais de 11 mil pacientes. A técnica, que analisa a quantidade de 27 diferentes proteínas presentes no sangue, superou a taxa de acerto de médicos humanos que usavam dados clínicos para avaliar risco de infarto, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral nos pacientes testados.

O resultado, descrito em um estudo hoje na revista científica Science Translational Medicine, é o melhor obtido até agora por um sistema digital para fazer prognósticos na área de cardiologia. Desenvolvido pela empresa de biotecnologia SomaLogic, o sistema  é aplicado na forma de um exame de sangue, e validado no estudo por médicos de diversos centros de pesquisa, liderados pela Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF).

Para construir a plataforma de inteligência artificial que analisa os pacientes, os pesquisadores usaram o método conhecido como “aprendizado de máquina” (machine learning), alimentando um programa de computador com dados clínicos de 22 mil pacientes que haviam sido acompanhados em estudos clínicos.

Além disso, foram analisaram 32 mil amostras sangue desses voluntários (alguns forneceram mais que uma), usando tecnologia própria para medir a concentração de 5.000 tipos diferentes de proteínas, moléculas que atuam no funcionamento do organismo.

A partir de correlações estabelecidas pelo sistema que criaram, os cientistas conseguiram apontar dessas 5.000 quais eram as 27 mais relevantes para realização de prognósticos. Estas moléculas, então, compõem as variáveis usadas para fazer prognósticos no teste de sangue estudado.

Ao aplicarem o método, os cientistas geraram perfis de risco que tiveram 73% de precisão para prever, num período de quatro anos, a ocorrência de derrame, ataque cardíaco, insuficiência cardíaca ou morte. A taxa de acerto superou a de avaliações clínicas feitas por médicos durante o estudo, de 64%.

Para se certificarem de que o sistema da SomaLogic estava alinhado com o conhecimento médico prévio, os cientistas compararam o resultado obtido por inteligência artificial com aquele desenhado por médicos, e viram que eles não estavam em contradição. O conhecimento robótico gerado pelo sistema conseguiu incorporara identificação de fatores de risco conhecidos para doença cardiovascular, como tabagismo, obesidade e outros. Avaliações feitas pelo sistema digital combinado com análises clínicas foram um pouco mais precisas.

Ferramenta científica

A ideia da pesquisa não é que médicos usem o sistema para fazer previsões fatalistas, mas apontar os pacientes que podem se beneficiar de diferentes tipos de intervenção para ter prognósticos melhores.

Mais do que a aplicação clínica, porém, os cientistas esperam que o sistema da SomaLogic possa ser útil para apressar a pesquisa de novos medicamentos no setor, porque indica com mais robustez quais combinações de proteínas devem ser os alvos das drogas. Um sistema prático para avaliar o risco de pacientes, também, poupa parte do enorme esforço de avaliações clínicas necessárias aos testes de drogas com muitos voluntários.

“Um substituto dinâmico, individualizado e confiável para o risco cardiovascular, que resuma mecanismos biológicos chave, pode encurtar a trajetória de desenvolvimento de drogas, melhorar o custo-benefício e o prognóstico de pacientes”, escreveram no estudo os pesquisadores, liderados por Stephen Williams, da SomaLogic. O trabalho foi supervisionado por Peter Ganz, da UCSF.

“O modelo de 27 proteínas tem potencial como um substituto ‘universal’ para avaliação de desfecho sobre risco cardiovascular”, escrevem os cientistas.

O trabalho teve colaboração de outros 30 pesquisadores, de 15 diferentes centros pesquisa nos EUA, na Europa e no Japão. Os cientistas afirmam que para que o novo sistema seja usado em testes clínicos e no atendimento a pacientes, ainda são precisos alguns ajustes, mas se mostraram otimistas com a possibilidade no estudo.

Prognóstico de longo prazo

Paulo Caramori, coordenador científico do Conselho Administrativo da Sociedade Brasileira de Cardiologia, afirma que a metodologia descrita no estudo oferece “solução de um problema que se arrasta por muitos anos” em pesquisa clínica.

— Para que o médico consiga predizer o que vai acontecer com o paciente, hoje ele se baliza em dados que ainda relativamente frágeis, que não têm um poder determinante muito grande — explica.

— Nós sabemos que tem mais chance de ter uma cardiopatia isquêmica, sofrer um infarto e morrer é  homem, com mais idade, com mais peso, fumante… A gente lista essas várias coisas e vai tentando somar os fatores. Mas todos nós conhecemos algum homem obeso que não infartou, e talvez uma mulher magras que tenha infartado. Isso não significa que nosso modelo atual seja errado, mas ele é pouco acurado — diz o cardiologista.

O que os modelos de inteligência artificial estão trazendo para o cenário médico agora, diz Caramori, é a capacidade de acertar mais o prognóstico e de selecionar para os testes clínicos pacientes que efetivamente tenham um risco futuro maior de eventos cardiovasculares graves.

Para que a tecnologia da SomaLogic chegue à prática clínica, porém, ela ainda precisa ser testada em outras populações e precisa ser colocada a prova em um teste prospectivo, e não ancorada em outros ensaios clínicos como foi o estudo feito agora.

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