O uso da Inteligência Artificial (IA) na medicina está em estágio inicial no Brasil: apenas cerca de 4% dos estabelecimentos de saúde brasileiros utilizam o recurso de forma institucionalizada, segundo a pesquisa TIC Saúde 2024. Se o recorte considerar especificamente os médicos, o uso individual sobe para 17%.
O levantamento, divulgado nesta sexta-feira (11), foi conduzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).
Os dados apontam que o uso da IA já é maior nas unidades com internação e mais de 50 leitos. Neste universo, o índice é de 16%,sendo que, no ano anterior, o percentual era de apenas 5%.
De acordo com a coordenadora do estudo, Luciana Portilho, a novidade é o uso de recursos como chat GPT e o Bard, a chamada IA generativa. Essas ferramentas de inteligência artificial – com base em grandes volumes de dados – são utilizadas produzir conteúdo como textos mais fáceis para o paciente, imagens, formulários e programação, segundo a pesquisadora.
“A IA busca informação no mundo todo, então (o profissional da saúde) tem conhecimento para filtrar o que é verdadeiro e o que não é. (O uso) é mais para otimizar o tempo. A ideia é que a ferramenta auxilie, mas não aja sozinha”, comenta Portilho.
A especialista indica ainda que, no mundo ideal e desejado para um futuro próximo, as análises com auxílio de IA sejam feitas com dados de brasileiros para serem usados no Brasil. “E é preciso avançar na questão da regulamentação”, afirma a coordenadora do estudo.
Uso especificamente entre os médicos
Entre os médicos, a adesão à IA Generativa foi de 17% em todo o país, sendo 14% nos estabelecimentos públicos e 20% nos privados. Entre os que usam, 69% utilizaram a IA Generativa para auxiliar em pesquisas e 54% para auxiliar nos relatórios inseridos nos prontuários.
Nas unidades de saúde com internação e mais de 50 leitos, 23% fizeram análise de Big Data e metade dos gestores de saúde responderam que a IA está sendo usada para melhorar a segurança digital.
Os recursos de IA mais utilizados pelos estabelecimentos de saúde são:
- a automatização de processos de fluxos de trabalho (67%),
- a aplicação ou o uso de ferramentas de IA Generativa, como ChatGPT e Bard (63%),
- a mineração de texto e a análise de linguagem escrita (49%).
Nos hospitais com mais de 50 leitos de internação, a IA Generativa foi adotada por 23% dos enfermeiros e por 21% dos médicos. E o principal uso dela é para auxiliar em pesquisas (86%) e na comunicação entre a equipe de trabalho (66%).
Avanço na assistência médica
O estudo “Inteligência Artificial na saúde: diagnóstico qualitativo sobre o cenário brasileiro”, lançado em setembro pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), apontou que os principais avanços na área incluem o uso da IA para melhorar processos de assistência médica e gestão, com ênfase na ampliação da eficiência e na redução de custos. De acordo com especialistas ouvidos pelo estudo, a IA na saúde é capaz de:
- Ampliar o acesso aos serviços de saúde
- Melhorar a precisão diagnóstica
- Reduzir processos burocráticos, otimizando o tempo gasto em tarefas administrativas
- Oferecer apoio na tomada de decisões clínicas, com diagnósticos mais rápidos e precisos
- Ampliar a capacidade de atendimento em regiões com escassez de especialistas
- Enfrentar desigualdades na oferta de saúde, ampliando o acesso aos serviços e reduzindo o impacto da escassez de recursos em regiões mais desfavorecidas do país
Apesar de a evolução da IA na saúde brasileira ser percebida como desigual – com o setor privado liderando o movimento – o Sistema Único de Saúde (SUS) é apontado como o grande diferencial brasileiro em relação à obtenção de dados, por contar com volume e diversidade suficientes para o desenvolvimento de algoritmos e aplicações robustas e confiáveis. Além disso, a diversidade populacional também é um diferencial competitivo muito forte do Brasil na área de IA em saúde.
“Estamos falando de um país que é etnicamente muito diverso, com uma população que vive em diferentes ambientes, e isso é promissor, porque o desenvolvimento de tecnologias na área de saúde pressupõe um volume grande de dados que vai ajudar na construção de diagnósticos e de possíveis antecipações de problemas epidemiológicos”, afirma Graziela Castello, coordenadora de estudos setoriais no Cetic.br e responsável pela pesquisa.
“Mas apesar do entusiasmo, o entendimento geral é que o país está apenas engatinhando nessa jornada”, afirma Graziela Castello.
Entre os desafios apontados pelos entrevistados do estudo do NIC.br estão:
- Falta de uma estratégia nacional organizada e centralizada para incentivar a IA na saúde;
- Questões regulatórias e deficiências na qualidade e na integração de dados, que são o principal insumo das tecnologias de IA.
O potencial impacto da IA nos diagnósticos e tratamentos
A capacidade de a IA processar um grande volume de dados favorece conclusões mais assertivas e abre espaço para diagnósticos e tratamentos, destaca o médico e diretor de pesquisa e inovação do Grupo UniEduK Márcio Sanches.
O médico comenta que a eletrocardiografia, por exemplo, está ganhando cada vez mais a possibilidade de se tornar mais rápida, acessível, comum e mais fácil com a IA. Na dermatologia, ao olhar para uma lesão de pele, é possível dizer com mais precisão dizer se uma imagem tem aspecto de malignidade ou não. Os smartwatches também conseguem analisar um traçado eletrocardiográfico e podem trazer algum tipo de laudo imediato, mesmo que seja preliminar.
Os estetoscópios digitais vão evoluir cada vez mais para que possa haver, por exemplo, o diagnóstico imediato com uma sugestão de uma arritmia cardíaca, acrescenta Sanches.
“Do ponto de vista de tratamento, a IA permite que a gente identifique padrões e comece a trabalhar o que a medicina de precisão traz como lógica, que é você poder atuar e não focado em atacar grandes populações com uma mesma estratégia”, complementa Sanches.
Fonte: G1