Entenda por que a histórica vacina aprovada contra a malária terá pouco efeito no Brasil

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou na semana passada o uso da primeira vacina contra a malária, doença que deixou mais de 400 mil mortos no mundo apenas em 2019, segundo a instituição. No entanto, o imunizante, chamado de RTS,S e desenvolvido pela farmacêutica GSK com o nome comercial Mosquirix, provavelmente não será aplicado no Brasil.

Isso porque a tecnologia utilizada na vacina previne a doença provocada pelo protozoário Plasmodium falciparum, responsável por mais de 90% dos casos no mundo. Mas, no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, esse protozoário é responsável por apenas 15,8% dos casos da doença registrados em 2020. Enquanto isso, 84,2% foram decorrentes da infecção por outro parasita, que causa apenas 2,8% das ocorrências de malária mundiais.

—Aqui, como a malária é causada pelo Plasmodium vivax, essa vacina muito provavelmente não vai ser usada — explica Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaborador da Medicines for Malaria Venture.

Já na África, região mais afetada pela doença, mais de 99% dos casos são causados pelo P. falciparum, que agora pode ser combatido com a nova vacina. A professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ) Ana Neves explica que a prevalência de cada espécie do parasita tem relação com fatores genéticos locais .

— Existem cinco espécies conhecidas que podem infectar os humanos. O Plasmodium falciparum e o Plasmodium vivax são os mais conhecidos. Os quadros severos da doença são associados à infecção pelo primeiro, que provoca uma doença fatal. Quando as crianças sobrevivem, permanecem com sequelas extremamente debilitantes — destaca.

A aprovação do imunizante é especialmente importante na população infantil, já que, de acordo com a OMS, cerca de 260 mil crianças com menos de 5 anos morrem por ano no continente africano, número que representa mais da metade dos óbitos no mundo.

— Este é um momento histórico. A tão esperada vacina contra a malária para crianças é um avanço para a ciência, a saúde infantil e o controle da doença. Aliada às ferramentas existentes de prevenção, podemos salvar dezenas de milhares de vidas jovens a cada ano — disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

Em desenvolvimento há cerca de 30 anos pela farmacêutica britânica GSK, a RTS,S começou a ser testada em seres humanos a partir de 2000, com o apoio da ONG Path e da Fundação Bill e Melinda Gates.

Entre os cientistas responsáveis pelo estudo, no início do projeto, em 1987, estava um casal de brasileiros: Ruth e Victor Nussenzweig. Ela, que era parasitologista, faleceu em 2018 com 89 anos, e não conseguiu ver o imunizante em ação.

Programa piloto

Depois dos testes clínicos, que foram concluídos em 2015, a vacina passou a fazer parte de um programa piloto em andamento desde 2019 em Gana, Quênia e Malaui.

— A eficácia dessa vacina depois das quatro doses é em média 35%, mas vai salvar milhares de vidas de crianças. A gente que trabalha com malária considera uma conquista extraordinária. E muito provavelmente podem surgir mais vacinas baseadas nessa tecnologia para os outros Plasmodium no futuro — acrescentou Dias.

No Brasil, a transmissão da malária predomina na região amazônica, onde são registrados cerca de 99% dos casos do país, um problema agravado pelo desmatamento. Em 2020, foram 140.974 casos no total, uma redução de 10,5% em relação a 2019.

O número de casos fatais também vem caindo desde 2000, quando foram registradas 245 mortes no país. Entre 2015 a 2019, a média anual foi de 39,6. Em 2020, foram apenas 24 óbitos.

Estagiário sob supervisão de Adriana Dias Lopes

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