
Nos primeiros 15 meses da pandemia do novo coronavírus no Brasil, houve 70% de excesso de mortes maternas. O preocupante aumento nos óbitos foi observado sobretudo no trimestre de março a maio de 2021, fase mais crítica da segunda onda da epidemia de Covid-19, em todos as faixas etárias e regiões do país. A conclusão é de um estudo inédito liderado pela Fiocruz Amazônia, em parceria com pesquisadores ligados a universidades brasileiras, da Colômbia e dos Estados Unidos.
Para o epidemiologista Jesem Orellana, líder do estudo e coordenador do Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (Legepi) da Fiocruz Amazônia, o padrão geral de excesso de mortes maternas reforça o dramático desenvolvimento da epidemia no Brasil.
Os pesquisadores avaliaram as mortes maternas registradas no país entre março de 2020 e maio de 2021. O estudo se baseou em dados oficiais de mortalidade do Ministério da Saúde e em metodologia de análise do tipo contrafactual (contrapõe o que foi observado na pandemia com o que seria esperado sem ela).
Nesse período, foram identificadas 3.291 óbitos maternos, resultando em 1.353 mortes maternas além do esperado, o que corresponde a um aumento de 70%. O preocupante aumento foi observado sobretudo no trimestre de março a maio de 2021, fase mais crítica da segunda onda da epidemia de Covid-19, em todos as faixas etárias e regiões do país.
“Sabe-se que os impactos diretos da epidemia sobre a mortalidade por Covid-19 resultaram em mais de 687 mil mortes conhecidas no Brasil, colocando o país, definitivamente, na segunda posição mundial em número de mortos pela doença, onde a desinformação relativa ao uso de medicamentos clinicamente ineficazes para prevenir/tratar Covid-19 ou mesmo o rechaço de evidências científicas favoráveis ao uso de máscaras, distanciamento social e até mesmo sobre a eficácia e segurança das vacinas, dificultou implementação de medidas de saúde pública para mitigar os efeitos da epidemia de Covid-19”, explica o epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia).
A região Norte, uma das vulneráveis do país, foi a única que registrou excesso de mortes maternas na faixa etária de 37 a 49 anos, ao longo dos cinco trimestres avaliados. Por outro lado, na região Sul, houve comportamento explosivo nas mortes maternas, no trimestre de março a maio de 2021, principalmente nas mulheres de 37 a 49 anos, com a marca de 375% de mortalidade materna excedente.
De acordo com os autores, isso compromete os esforços de anos anteriores do país para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os quais visavam reduzir ainda mais a mortalidade materna e garantir o acesso universal e de qualidade à saúde e reprodutiva para as mulheres até 2030.
No artigo que será publicado no periódico Plos One, os cientistas explicam essa relação e apresentam resultados ainda não explorados no país. Os autores concluíram que houve forte excesso de mortes maternas no Brasil e que suas trajetórias ao longo do período avaliado foram regionalmente heterogêneas, com impactos consistentemente mais fortes durante os momentos mais agudos da epidemia, refletindo não apenas desigualdades socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde anteriores à pandemia, como também o agravamento dos mesmos, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste.
“A elevada carga de mortes maternas observada no Brasil, além de refletir mortes plenamente evitáveis, dada a deterioração do acesso oportuno aos serviços de saúde e da qualidade dos serviços prestados às gestantes e puérperas, sugere o aprofundamento de desigualdades sociais e regionais. O estudo também sugere que o atraso na inclusão de gestantes e puérperas entre os grupos prioritários à vacinação, em meados de maio de 2021, a subsequente e equivocada suspensão da mesma naquelas sem comorbidades, bem com a lenta vacinação contra a Covid-19 no restante da população geral, durante explosiva disseminação da variante Gamma, pode ter contribuído ao excepcionalmente alto número de óbitos maternos evitáveis no Brasil, evidenciando a urgente necessidade de aperfeiçoamento das políticas de saúde materno-infantil durante crises sanitárias”, pondera o epidemiologista.