Grupo cria protocolo para padronizar exames moleculares usados no diagnóstico da COVID-19

Agência FAPESP* –Cristiane Paião | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores desenvolveram um protocolo para padronizar a atuação dos laboratórios que realizam exames moleculares para diagnóstico de COVID-19. A técnica, conhecida como RT-qPCR, permite identificar em amostras biológicas o RNA do vírus causador da doença, o SARS-CoV-2.

O trabalho teve como base um ensaio de proficiência para avaliar a capacidade diagnóstica de dez laboratórios da rede pública do Estado de São Paulo. Cada unidade recebeu cinco amostras preparadas em laboratório (não sendo, portanto, oriundas de pacientes). Algumas das amostras estavam livres de vírus e outras foram infectadas em três concentrações diferentes, de modo a aumentar a dificuldade do teste e a simular a variabilidade de carga viral encontrada em seres humanos.

Os resultados, divulgados na revista Diagnostic Microbiology and Infectious Disease, mostram que 95% das amostras que não continham o vírus foram analisadas corretamente, ou seja, apenas 5% tiveram um resultado falso positivo. Já no caso das amostras infectadas pelo SARS-CoV-2, apenas 73% foram corretamente diagnosticadas.

A pesquisa recebeu apoio da FAPESP e foi conduzida pelo professor Igor Olivares, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP).

“Me espantou um pouco descobrir que não existiu 100% de acerto nos resultados dos laboratórios que participaram do ensaio de proficiência. Na pandemia ouvíamos falar que o RT-qPCR era o ‘método ouro’ e que o teste rápido não seria tão confiável. Mas a nossa pesquisa mostrou que, com amostras contaminadas e preparadas em laboratório [para mimetizar uma amostra de paciente], existia uma possibilidade de um diagnóstico incorreto”, explica Olivares.

Segundo o pesquisador, o objetivo é ajudar instituições que fazem testes de RT-qPCR a implementar uma ferramenta de controle de qualidade que permita avaliar frequentemente o seu desempenho e, assim, melhorar a qualidade dos seus resultados, ajustando equipamentos e investindo em treinamento técnico para os seus profissionais.

“O teste de proficiência tem um nível de dificuldade maior que uma amostra normal, de um paciente. Quando você pega as amostras de diferentes pessoas, observa níveis diferentes de concentração do vírus. Aqui, tivemos amostras em condições controladas, também com concentrações diferentes, mas a ideia era fazer uma prova prática”, explica Olivares à Agência FAPESP.

Agora, a expectativa é que as instituições que participaram do ensaio de proficiência, além de outras que possivelmente se interessarem, possam utilizar gratuitamente a ferramenta. O procedimento já é adotado regularmente em outros exames laboratoriais, conforme regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Até então, isso ainda não tinha sido desenvolvido para a COVID-19, até porque era uma doença nova, fomos todos pegos de surpresa pela pandemia. Mas, a partir de agora, seria interessante que alguma instituição, algum órgão público importante pudesse internalizar esse ensaio e criar ferramentas de monitoramento para os seus laboratórios, talvez como um programa anual”, explica o pesquisador.

Conforme Olivares, por questões de confidencialidade, os ensaios de proficiência não divulgam os nomes dos laboratórios participantes por um motivo importante.

“A confiabilidade de um resultado de uma análise de laboratório é extremamente importante por causa do impacto que pode gerar. Se estamos analisando amostras de um solo, por exemplo, o resultado de uma análise pode indicar uma contaminação e uma empresa pode pagar uma multa milionária por causa dessa amostra. Ou, no caso de um atleta suspeito de dopping, o resultado da análise pode bani-lo ou absolvê-lo. Estes são apenas exemplos, mas são inúmeras áreas que podem ser impactadas com resultados incorretos de análises”, explica o professor da USP.

Como o estudo foi feito

Inicialmente, o objetivo do projeto era outro: desenvolver ensaios de proficiência no âmbito da agricultura e pecuária. Mas, como em muitas pesquisas durante a pandemia da COVID-19, o projeto recebeu mudanças que foram aprovadas pela FAPESP e tomou uma nova rota. “Nós também queríamos colaborar com os estudos sobre a doença”, conta Olivares.

A partir daí, os pesquisadores firmaram uma parceria com o Laboratório Federal de Defesa Agropecuária (LFDA-SP), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), situado em Campinas.

Esse é um dos laboratórios que utilizam a técnica de RT-qPCR para o diagnóstico de doenças em animais, como, por exemplo, a gripe aviária. Durante o primeiro ano da pandemia, o LFDA-SP contribuiu com o governo do Estado de São Paulo nos exames diagnósticos nas fases mais críticas e, por esse motivo, os pesquisadores firmaram a parceria. “Eles entraram com a estrutura e com o pessoal técnico e nós, com recursos e reagentes, parte do material necessário”, destaca Olivares.

Para a pesquisadora Dilmara Reischak, do LFDA de Campinas, o ideal é que, após receber os resultados do ensaio de proficiência, os laboratórios que participaram do estudo revisitem todas as etapas críticas do processo de análise. “E se perguntem: por que o nosso resultado foi discordante? A partir daí, é preciso fazer uma verdadeira investigação, procurando identificar quais são as possíveis causas para aquele resultado insatisfatório”, destaca.

Segundo ela, qualquer teste empregado sempre terá uma margem de erro. Alguns, no entanto, são mais sensíveis, outros, mais específicos e, outros, ainda, apresentam excelente sensibilidade e especificidade, mas nenhum será completamente perfeito.

“Um resultado falso negativo, numa doença como a COVID, significa que uma pessoa infectada pelo vírus deixou de ser identificada pelo teste e continuou sua vida normalmente, podendo ter contaminado muitas outras pessoas. O resultado desse ensaio de proficiência nos mostrou exatamente isso: falsos negativos existem mesmo quando se usa uma técnica como a RT-qPCR, que tem alta sensibilidade e especificidade, e os laboratórios precisam monitorar e tentar identificar as possíveis causas para minimizar a ocorrência de falhas e a consequência para a saúde pública”, conclui a pesquisadora do LFDA.

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