
Um estudo publicado no The Lancet na quinta-feira (29) mostra uma análise mais profunda sobre o que ocasionou a morte do homem que recebeu, em 2022, um transplante de coração de porco geneticamente modificado. O paciente conseguiu sobreviver por dois meses após a cirurgia, que foi aprovada pelo Food and Drug Administration, agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
O procedimento ocorreu em 7 de janeiro de 2022, e se tornou um marco na história da medicina. Ele foi conduzido por médicos e cientistas da Escola de Medicina da Universidade de Maryland (UMSOM, na sigla em inglês).
O receptor do xenotransplante (denominação para a transferência cirúrgica de um tecido de uma espécie para outra) foi David Bennett, que tinha 57 anos na época. O paciente passou pela cirurgia pois tinha uma insuficiência cardíaca crítica, e não tinha se qualificado para receber um coração humano. Assim, ele se voluntariou para receber o órgão de um porco.
O coração do suíno havia passado por 10 modificações genéticas antes de ser transplantado. Nas sete semanas após a cirurgia, Bennett apresentou forte função cardíaca sem sinais óbvios de rejeição aguda; porém, em 9 de março de 2022, ele veio a óbito por insuficiência cardíaca.
A análise recém-publicada do transplante foi feita pela equipe responsável pelo procedimento, que conduziu estudos extensivos sobre os processos fisiológicos por trás do falecimento de Bennett a partir dos limitados tecidos disponíveis dele. Pesquisadores descobriram que o coração funcionou bem em exames de imagem, como numa ecocardiografia, até o 47º dia após o transplante.
O artigo defende que muito provavelmente o óbito se deu por vários fatores sobrepostos – incluindo o estado de saúde prévio de Bennett, que o havia deixado gravemente imunocomprometido. Isso limitou o uso de um regime anti-rejeição eficaz como os que são empregados em estudos pré-clínicos para xenotransplantes; e, assim, o paciente provavelmente era mais vulnerável à rejeição do órgão por anticorpos produzidos pelo sistema imunológico.
Essa teoria foi reforçada quando a equipe encontrou evidências indiretas de rejeição mediada por anticorpos. Esses sinais apareceram na análise de tecidos, num exame de localização de antígenos e numa verificação de RNA de célula única.
Outro ponto levantado como possível causador do óbito é o uso da imunoglobulina intravenosa, conhecida como (IgIV). Esse tratamento com anticorpos foi dado a Bennett duas vezes durante o segundo mês após o transplante para ajudar a prevenir infecções; porém, pode ter contribuído para danificar as células do músculo cardíaco.
Além disso, a IgIV pode ter desencadeado uma resposta imune anti-porco: a equipe de pesquisa encontrou evidências de anticorpos da imunoglobulina focados numa das camadas do coração de porco.
Os autores do estudo também investigaram a presença de um vírus conhecido como citomegalovírus suíno (PCMV) no coração de porco. A ativação desse microrganismo pode ter acontecido depois que o regime de tratamento antiviral de Bennett foi reduzido para resolver outros problemas de saúde dele. Isso pode ter iniciado uma resposta inflamatória com danos celulares.
Contudo, a equipe não achou evidências de que o vírus tenha infectado o paciente ou se espalhado para órgãos além do coração.
“Lições valiosas podem ser aprendidas com esta cirurgia inovadora e com o corajoso primeiro paciente, Sr. Bennett. Elas nos informarão melhor sobre futuros xenotransplantes”, disse, em nota, Dean Mark T. Gladwin, vice-presidente de Assuntos Médicos da Universidade de Maryland. “No futuro, nossa equipe de cirurgiões-cientistas utilizará ensaios de células imunes recém-projetados para monitorar o paciente com mais precisão nos dias, semanas e meses após o xenotransplante. Isso trará um controle mais rigoroso dos primeiros sinais de rejeição e a promessa de uma inovação que salva vidas.”
Fonte: Revista Galileu