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Homeopatia: Levantamento aponta que estudos favoráveis à prática tiveram falhas e adulterações

SÃO PAULO — A homeopatia perdeu status de medicina baseada em evidência em boa parte da comunidade médica por não ter demonstrado eficácia em testes clínicos. Defensores dessa prática, porém, ainda se escoram em uma minoria de estudos que vem mostrando resultados positivos. Uma nova investigação, porém, revela que boa parte desses trabalhos têm problemas éticos e metodológicos.

A conclusão é de um levantamento coordenado pela Universidade Danúbio de Krems, na Áustria, que analisou um conjunto de estudos desenhados para avaliar a eficácia da homeopatia para diferentes problemas de saúde. Os cientistas analisaram os ensaios clínicos realizados entre 2000 e 2013, e constataram que 38% daqueles que foram registrados antes da execução não publicaram resultados depois, uma exigência ética padrão hoje. Entre os testes cujo resultado foi publicado, 53% não haviam sido registrados, outra omissão questionável.

Ao analisar os testes que foram tanto registrados quanto publicados, os pesquisadores notaram que um quarto deles alterou regras e critérios de avaliação dos pacientes ao longo do trabalho, os chamados “desfechos primários”. Essa outra violação do padrão ouro da pesquisa clínica, dizem os cientistas, tem como objetivo prevenir a manipulação da apresentação de resultados.

Ao separar os estudos com boa metodologia daqueles com condutas questionáveis, por fim, os cientistas de Krems viram que os problemas se concentravam no lado dos estudos favoráveis à homeopatia.

“O registro de testes publicados foi infrequente, muitos testes registrados não foram publicados, os resultados primários foram com frequência trocados ou alterados”, escrevem no estudo os cientistas, liderados pelo epidemiologista Gerald Gartlehner. “Isso provavelmente afeta a validade do corpo de evidência da literatura científica sobre homeopatia e deve superestimar o efeito real de tratamentos com remédios homeopáticos.”

O estudo do cientista com o resultado da investigação foi publicado ontem na revista BMJ Evidence-based Medicine, do grupo British Medical Journal. No jargão dos cientistas, o fenômeno ilustrado no estudo foi o do ‘viés de publicação’, ou seja, o favorecimento à divulgação de pesquisas que tiveram resultado positivo, com a ocultação dos resultados negativos. A lacuna entre a coleta dos dados para o estudo de Gartlehner, encerrada em 2013, e sua divulgação agora, ocorreu justamente para que testes clínicos encerrados há dez anos já tivessem sido publicados.

Diluição infinita

A homeopatia caiu em desuso entre círculos médicos na maior parte do mundo não por se mostrar ineficaz, mas porque sua base científica carece de coerência, explicam Gartlehner e colegas. Essa prática se baseia por exemplo, em uma crença chamada “princípio da similaridade” segundo a qual a mesma coisa que causa uma doença é capaz de curá-la. Outro conceito no receituário homeopata é o da diluição infinita, segundo o qual essas substâncias ganham poder curativo quando são diluídas a frações ínfimas até sumirem do remédio preparado, deixando propriedades curativas na “memória da água”.

Em muitos países, inclusive no Brasil, parte da comunidade científica pede que a homeopatia deixe de ser reconhecida como prática médica. A microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, comentou o estudo austríaco a pedido do GLOBO e afirma que o cenário de pesquisa em homeopatia é uma “conta de chegada.”

— Eles já sabem o resultado que querem, que é mostrar que a homeopatia pode ter relevância, e forçam a barra para conseguir qualquer resultado que pareça positivo. Em outras palavaras, eles “torturam” os dados até eles “confessarem”. E quando nem isso funciona, simplesmente escondem os inúmeros estudos com resultados negativos — afirma a cientista.

Pasternak diz que registro dos resultados em plataformas públicas é uma exigência vital hoje.

— Registrar o estudo antes do seu inicio é importante porque inibe a tentação de escolher a dedo aquele resultado que mais agrada ou a tentação de mudar a metodologia quando fica claro que o estudo está caminhando para um desfecho negativo. Não seguir essas práticas é um grave problema ético. — completa.

O GLOBO entrou em contato com a Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB) para perguntar se a entidade teme que o trabalho dos cientistas austríacos possa prejudicar o reconhecimento dessa prática terapêutica no Brasil, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

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