
Nos últimos três anos, a Covid-19 atingiu milhões de pessoas, causando inúmeras mortes ao redor do globo. Além de mortal, uma característica dessa doença, é que ela se manifesta de diferentes maneiras. Enquanto alguns infectados apresentam sintomas como febre, dor de garganta, tosse, falta de ar, perda de olfato ou paladar, outros permanecem assintomáticos.
Apesar de não adoecer, esse grupo ainda pode transmitir a doença. Entretanto, como são assintomáticos, não sabem que estão contaminados até realizarem algum exame. A grande questão é: por que essas pessoas não apresentam sintomas? A resposta, de acordo com um novo estudo publicado nesta quarta-feira (19) na revista Nature, pode ser genética.
Os resultados indicam que o segredo está relacionado a uma variação nos genes antígenos leucocitários humanos (HLA), ou marcadores de proteínas que sinalizam o sistema imunológico. “Compreender o impacto da variação do HLA na doença promete fornecer informações significativas que são relevantes para entender a imunopatogênese da Covid-19, ao mesmo tempo em que informa o desenvolvimento de vacinas e potenciais imunoterapias”, afirmam os pesquisadores no estudo liderado por cientistas da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos.
Variação genética
Os genes HLA codificam proteínas usadas pelo sistema ime para identificar suas células saudáveis e distingui-las daquelas infectadas por bactérias e vírus. Na nova análise, a equipe de cientistas viu que uma mutação em um dos genes que codificam o HLA parece ajudar as células T — responsáveis por matar o vírus — a identificar o SarsCoV-2 e lançar um ataque antes que ele pudesse gerar sintomas.
As células T de algumas pessoas que carregam essa variante podem identificar o novo coronavírus, mesmo que nunca o tenham encontrado antes, graças à sua semelhança com os vírus do resfriado sazonal que já conhecem. Devido ao papel dos HLAs no combate à infecção, os pesquisadores se perguntaram se havia variantes específicas que os tornariam mais protegidos ou suscetíveis ao vírus da Covid.
A coleta de dados começou no início da pandemia, a partir de um banco de dados nacional de doadores de medula óssea, o Programa Nacional de Doadores de Medula/Be The Match. A equipe utilizou um aplicativo móvel desenvolvido na UCSF, chamado Covid-19 Citizen Science Study para coletar informações de cerca de 30 mil pessoas. Na época, as vacinas ainda não estavam amplamente disponíveis e muitas pessoas estavam passando por testes Covid para o trabalho ou sempre que estivessem potencialmente expostas.
Os pesquisadores identificaram 1.428 pessoas não vacinadas que testaram positivo entre fevereiro de 2020 e o final de abril de 2021. Dessas, 136 permaneceram assintomáticas por pelo menos duas semanas antes e depois do teste positivo. Essas pessoas tinham a variante genética HLA-B*15:01, que está presente em cerca de 10% da população estudada. Apesar de não impedir a infecção, ela evita que as pessoas adoeçam.
Por fim, 20% dos participantes que permaneceram assintomáticos após a infecção carregavam pelo menos uma cópia da variante HLA-B*15:01, em comparação com 9% daqueles que relataram sintomas.
“Tínhamos a hipótese de que o sistema imunológico deles poderia reagir com tanta rapidez e força que o vírus foi eliminado antes de causar qualquer sintoma. É como ter um exército que já sabe o que procurar e pode dizer pelo uniforme que esses são os bandidos”, afirma Jill Hollenbach, professora da Universidade da Califórnia em San Francisco, em comunicado.
Como anular o vírus?
Para entender como esse processo de combate acontecia, a equipe de Hollenbach colaborou com pesquisadores da Universidade La Trobe, na Austrália, para observar células de indivíduos com HLA-B*15:01 que eram doadores de sangue antes da pandemia. Os resultados mostraram que esses indivíduos tinham células T de memória contra uma partícula específica do Sars-CoV-2 chamada peptídeo NQK-Q8.
Esse peptídeo é muito semelhante a outro chamado NQK-A8, que está presente em outros vírus sazonais. Essa semelhança permitiu que as células T desses indivíduos reconhecessem rapidamente o Sars-CoV-2 e montassem uma resposta imune mais rápida e eficaz.
“É amplamente conhecido que outros tipos de coronavírus causaram resfriados sazonais por décadas. Nossa hipótese é de que esses indivíduos foram expostos a coronavírus sazonais no passado e, de alguma forma, indivíduos portadores específicos de HLA-B*15:01 poderiam matar rapidamente as células infectadas por Sars-CoV-2 devido a respostas imunológicas de reação cruzada, graças à memória imunológica”, explica Danillo Augusto, professor assistente da Universidade da Carolina do Norte, também nos EUA.
Essa descoberta representa um avanço significativo no entendimento das respostas imunológicas à Covid-19 e pode abrir caminho para estratégias inovadoras de tratamento e prevenção da doença no futuro.
Fonte: Revista Galileu