
Em um sítio funerário da Idade do Cobre conhecido como Camino del Molino, descoberto em 2007 em Caravaca de la Cruz, no sudeste da Espanha, pesquisadores desenterraram os restos de uma mulher de 4,5 mil anos.
Uma nova análise sugere que ela passou por duas cirurgias na cabeça — e sobreviveu a ambas. O estudo foi publicado na edição de dezembro do periódico International Journal of Paleopathology, disponibilizada online em setembro.
A mulher era uma das 1.348 pessoas encontradas no local funerário de Camino del Molino, que foi usado de 2566 a 2239 a.C. A sepultura coletiva, que abrigava inclusive restos de crianças, era circular com um diâmetro de 6 a 7 metros e apresentava paredes ligeiramente alargadas.
A falecida tinha entre 35 e 45 anos quando morreu. Ao contrário dos outros esqueletos, seu crânio mostrava sinais de procedimentos cirúrgicos conhecidos como trepanações. Segundo o site Live Science, tais cirurgias envolvem perfurar ou raspar buracos na caixa craniana para expor a dura-máter, a camada mais externa de tecido que envolve o cérebro e a medula espinhal.
Os pesquisadores notaram por meio de exames adicionais que a mulher tinha dois buracos sobrepostos entre sua têmpora e o topo da orelha: um media 53 por 31 milímetros, enquanto o outro tinha 32 por 12 milímetros.
Não havia sinais de que as aberturas tivessem sido provocadas por uma lesão. Isso porque não havia fraturas irradiando dos buracos, e cada um deles tinha bordas bem definidas. Os investigadores concluíram, portanto, que aquilo era resultado de duas cirurgias separadas.
As operações foram feitas, segundo a equipe, usando uma “técnica de raspagem”. Isso envolve esfregar um instrumento lítico [de pedra] de superfície áspera contra a calota craniana, erodindo-a gradualmente ao longo de todas as suas bordas para criar o buraco”, explica Sonia Díaz-Navarro, autora principal do estudo, ao Live Science.
Como não havia anestesia na época, a mulher provavelmente teve que ser fortemente imobilizada por outros membros da comunidade ou previamente tratada com uma substância psicoativa que aliviasse a dor ou a deixasse inconsciente, segundo acredita Díaz-Navarro.
Os ossos curados do crânio da mulher sugerem que ela sobreviveu a ambas as cirurgias, possivelmente vivendo vários meses depois dos procedimentos, segundo os pesquisadores. Tal fato é surpreendente, visto que os riscos de passar por uma cirurgia na região temporal eram vários na época.
Havia “desafios inerentes associados ao acesso a essa área através do couro cabeludo”, afirma Díaz-Navarro. A região em particular contém numerosos vasos sanguíneos e músculos vulneráveis, que poderiam facilmente sangrar durante a cirurgia.
A “técnica de raspagem” era mais bem-sucedida do que as cirurgias que envolviam perfuração do crânio. De acordo com a pesquisadora, os cirurgiões antigos geralmente não danificavam as meninges ou o cérebro, reduzindo o risco de infecções pós-cirúrgicas. Eles também usavam instrumentos estéreis e plantas com propriedades antibióticas naturais que poderiam conter processos infecciosos.
Além dos sinais cirúrgicos, o esqueleto da mulher apresentava costelas curadas e algumas cáries dentárias. Mas isso não explica o motivo dela ter sido operada duas vezes. “A alta prevalência de lesões traumáticas documentadas nos esqueletos de Camino del Molino nos leva a não descartar a possibilidade de que a cirurgia possa ter sido realizada como resultado de trauma”, supõe Díaz-Navarro.
A documentação de procedimentos cirúrgicos pré-históricos é uma “ocorrência rara”, especialmente na área temporal da cabeça, segundo a pesquisadora. Na Península Ibérica, era mais comum que trepanações fossem realizadas nas regiões frontal e parietal (topo) do crânio.