
A lamivudina, um antirretroviral utilizado no tratamento para o HIV, impediu a progressão do câncer colorretal com metástase em 28% dos pacientes com a doença, mostrou estudo publicado na revista científica Cancer Discovery. Os pesquisadores afirmam que a descoberta abre portas para novas possibilidades de terapias mais eficientes contra tumores. O estudo foi conduzido por cientistas de instituições renomadas da área nos Estados Unidos, como do Centro de Câncer do Hospital Geral de Massachusetts, da Escola de Medicina da Universidade de Harvard e do Centro de Câncer Dana-Farber.
“Fizemos o experimento para ver se poderíamos aprender algo novo sobre a biologia das células cancerígenas e, no processo, encontramos esse resultado inesperado e muito encorajador. A estabilidade do câncer com apenas um único medicamento em uma população de pacientes com a doença tão avançada é altamente incomum”, afirmou um dos autores do estudo, David Ting, do Hospital Geral de Massachusetts, em comunicado.
Os pesquisadores partiram de descobertas feitas nos últimos dez anos que revelaram que cerca de 50% do DNA de um tumor é composto por “elementos repetitivos”, que antes eram considerados irrelevantes. Esses elementos expelem moléculas que se replicam por meio de um processo chamado de transcrição reversa, semelhante ao de alguns vírus, como o HIV, e levam o câncer a se expandir.
Com isso, os cientistas decidiram testar se um antirretroviral que inibe a enzima responsável pela transcrição reversa, e é utilizado para impedir o avanço do HIV, conseguiria também interromper a progressão do câncer colorretal. Isso porque esse tipo de tumor produz valores altos dos “elementos repetitivos”, assim como os de pulmão e o de esôfago.
O experimento envolveu 32 pacientes com a doença em estágio avançado e com metástase, que não responderam bem a outras formas de tratamento anteriores. Eles receberam doses até quatro vezes maiores que as utilizadas normalmente para pessoas com HIV. Os pesquisadores observaram que em 9 participantes, ou 28%, o câncer mostrou sinais de estabilização e parou de crescer.
“Isso fornece evidências de que um medicamento para o HIV pode ser reaproveitado como terapia anticâncer em pacientes com câncer metastático. Se vimos esse tipo de resposta com apenas um medicamento para o HIV, o próximo teste obviamente é ver o que mais podemos alcançar com a HAART, ou terapia antirretroviral altamente ativa”, disse Ting, em referência a experimentos com tipos mais eficazes de tratamento usados hoje para o HIV.
Embora o objetivo tenha sido impedir a progressão, e não encolher o tumor, os pesquisadores acreditam ainda que os resultados são animadores para avanços futuros no tratamento. Para Ting, há indícios de que a terapia com inibidores da transcriptase reversa aliados à imunoterapia pode estimular as células imunes a se envolverem no combate ao câncer de forma mais eficaz e atacar o tumor.
Além disso, alguns estudos já mostraram que a população dos Estados Unidos que vive com HIV e recebe regularmente um tratamento de três medicamentos antirretrovirais tem uma incidência menor de câncer colorretal, de mama e de próstata. Ting acredita que isso indica que uma terapia nesse sentido poderia atuar na prevenção de um câncer, na recorrência e transformar um tumor avançado e com metástase em um estágio de doença crônica, como consegue hoje o tratamento com o HIV.