Cientistas criam “bafômetro” que pode detectar Covid-19 e outras doenças

A cada respiração, os seres humanos exalam mais de mil moléculas distintas, produzindo uma espécie de “impressão digital química” ou “impressão respiratória” única, que é rica em pistas sobre o que está acontecendo dentro do corpo. Durante décadas, os cientistas procuraram aproveitar essas informações, recorrendo a cães, ratos e até abelhas para literalmente farejar doenças como câncer, diabetes e tuberculose.

Inspirada nisso, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, conseguiu desenvolver um “bafômetro” baseado em laser alimentado por inteligência artificial (IA) capaz de diagnosticar agentes patológicos pela expiração. O estudo foi publicado no periódico Journal of Breath Research.

Em nota à imprensa, o primeiro autor do estudo, Qizhong Liang, afirma: “Nossos resultados demonstram a promessa da análise da respiração como um teste alternativo, rápido e não invasivo para Covid-19. Também há destaque para o seu notável potencial no diagnóstico de diversas outras condições e estados de doença”.

Acredita-se que a descoberta possa revolucionar a forma como os diagnósticos são conduzidos na atualidade. “No futuro, será possível que você sopre em um bocal integrado ao telefone e consiga obter informações sobre sua saúde em tempo real”, sugere o orientador da pesquisa, Jun Ye. “O potencial é infinito.”

Não invasivo, rápido, livre de produtos químicos

 

Desde 2008, o laboratório de Jun Ye desenvolve a técnica empregada no novo aparelho. A espectroscopia de pente de frequência rendeu até um Nobel e funciona a partir de um laser que é lançado sobre a impressão respiratória para distinguir uma molécula da outra, identificando nesse processo biomarcadores de doenças.

Com o passar dos anos, a tecnologia, que carecia de sensibilidade, foi aprimorada, o que passou a permitir a detecção de moléculas traço no nível de partes por trilhão. A equipe ainda aproveitou a inteligência artificial para potencializar a análise das informações pelo reconhecimento de padrões dos agentes.

Dessa forma, em meio à pandemia de Covid-19 e a frustração aumentando com os longos tempos de resposta para os testes existentes, os cientistas chegaram à conclusão que era a hora de testar esse sistema em seres humanos. Para isso, realizaram testagens dentro do campus da Universidade do Colorado em Boulder.

Foram coletadas amostras de 170 estudantes entre maio de 2021 e janeiro de 2022. Todos os pacientes também realizaram, 48 horas antes do teste do bafômetro, um exame de reação em cadeia da polimerase (PCR), feito a partir da saliva ou da mucosa nasal.

Metade das cobaias testou positivo e a outra negativo. No geral, o processo levou menos de uma hora desde a coleta até a obtenção de resultado. Na comparação com o PCR, o bafômetro apresentou correspondência em 85% das vezes. Em diagnósticos médicos, uma precisão de 80% ou mais é considerada “excelente”.

Ao contrário de um cotonete nasal, o bafômetro não é invasivo. E diferente da amostra de saliva, os usuários não são solicitados a se abster de comer, beber ou fumar antes de usá-lo. Não requer produtos químicos caros para quebrar a amostra e, além disso, poderia, concebivelmente, ser usado em indivíduos que não estão conscientes.

Futuro das pesquisas

 

Atualmente, o bafômetro consiste em um conjunto complexo de lasers e espelhos do tamanho de uma mesa de banquete. Para a análise, a amostra de respiração é canalizada por um tubo enquanto os lasers disparam luz infravermelha invisível em milhares de frequências diferentes. Os espelhos refletem a luz para frente e para trás através das moléculas tantas vezes que, no final, chega a viajar cerca de 2,4 quilômetros.

Como cada tipo de molécula absorve a luz de maneira diferente, as amostras de respiração com uma composição molecular diferente projetam sombras distintas. A máquina pode distinguir entre essas diferentes sombras ou padrões de absorção, reduzindo milhões de pontos de dados a um simples apontamento de “positivo” ou “negativo” em questão de segundos.

Esforços já estão em andamento para miniaturizar esses sistemas em uma escala de chip, permitindo o monitoramento de auto saúde em tempo real e em movimento. Mas o potencial não termina por aí. “E se você pudesse encontrar uma assinatura na respiração que pudesse detectar o câncer pancreático antes mesmo de você ser sintomático? Isso seria o home run”, acrescenta o coautor Leslie Leinwand.

Alguns membros da pesquisa já estão trabalhando para desenvolver um Atlas da Respiração Humana. A ideia é mapear cada molécula da expiração humana e as correlacionar com os resultados de saúde, para assim explorar o uso do bafômetro em outros quadros clínicos além da Covid-19.

Os cientistas esperam que a tecnologia possa não apenas diagnosticar doenças, mas também permitir uma melhor compreensão sobre as mesmas. Isso poderá oferecer dicas sobre respostas imunes, deficiências nutricionais e outros fatores que podem contribuir para ou agravar a doença.

“Se você pensar nos cães, eles evoluíram ao longo de milhares de anos para cheirar muitas coisas diferentes com uma sensibilidade notável. Estamos apenas no começo do treinamento de nosso nariz baseado em laser. Quanto mais o ensinarmos, mais inteligente ele se tornará”, conclui Ye.

Fonte: Revista Galileu

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