Como a variante Delta deve evoluir, segundo a teoria evolucionista

A pandemia de Covid-19 é uma demonstração dramática da evolução em ação. A teoria evolucionista explica muito do que já aconteceu, prevê o que acontecerá no futuro e sugere quais estratégias de gestão são provavelmente as mais eficazes. Ela explica, por exemplo, por que a variante Delta (B.1.617.2) se espalha mais rápido do que a cepa original do novo coronavírus, identificada em Wuhan, na China.

O conceito também pode ser usado para antecipar o que poderemos ver com as variantes futuras e sugere como podemos intensificar as medidas de saúde pública para responder a esses possíveis cenários. Mas a variante Delta não é o fim da história do Sars-CoV-2, o vírus causador da Covid-19. Veja o que a teoria da evolução nos diz sobre o que vem a seguir.

Como os vírus evoluem?

A evolução é o resultado de mutações aleatórias (ou erros) no genoma viral quando ele se replica. Algumas dessas mutações aleatórias serão boas para o vírus, conferindo alguma vantagem. As cópias desses genes vantajosos têm maior probabilidade de sobreviver na próxima geração, por meio do processo de seleção natural.

Novas cepas virais também podem se desenvolver por meio de um processo conhecido como recombinação, que ocorre quando os vírus adquirem genes de outros vírus ou mesmo de seus hospedeiros.

De modo geral, podemos esperar que a evolução favoreça cepas de vírus que resultem em uma curva epidêmica mais acentuada, produzindo mais casos e de forma mais acelerada, o que leva a duas previsões. Primeiro, o vírus deverá se tornar mais transmissível. Uma pessoa infectada provavelmente infectará mais pessoas, o que significa afirmar que versões futuras do vírus terão um número reprodutivo (ou “R”) maior.

Estrutura atômica do coronavírus Sars-CoV-2  (Foto: Wikimedia Commons )
Estrutura atômica do coronavírus Sars-CoV-2 (Foto: Wikimedia Commons )

Em segundo lugar, também podemos esperar que a evolução encurte o tempo que leva entre alguém ser infectado e infectar outras pessoas (ou seja, terá um “intervalo serial” mais curto). Ambas as mudanças previstas são claramente boas notícias para o vírus, mas não para os seus hospedeiros.

Por que a variante Delta é predominante no mundo?

Esta teoria explica por que a variante Delta está agora varrendo o mundo e substituindo a cepa original de Wuhan. Enquanto a cepa original do Sars-CoV-2 tinha um valor R de 2-3, o valor R da Delta é cerca de 5-6 — e alguns pesquisadores dizem que esse número é ainda maior. Portanto, é provável que uma pessoa infectada com a Delta infecte pelo menos duas vezes mais pessoas do que alguém acometido pela cepa original.

Também há evidências de que a Delta tem um intervalo serial muito mais curto em comparação com a cepa de Wuhan. Isso pode estar relacionado a uma carga viral mais alta (mais cópias do vírus) em alguém infectado com Delta em comparação com cepas anteriores, o que pode permitir que essa variante transmita o vírus “mais cedo” após a infecção.

Uma carga viral mais elevada também pode fazer com que a Delta seja transmitida mais facilmente ao ar livre e após “contato fugaz”  — um termo que está sendo usado para caracterizar a possibilidade de transmissão da variante até em encontros curtos, dependendo das condições do ambiente e do uso correto de máscaras.

As vacinas afetam a evolução do vírus?

Sabemos que as vacinas projetadas para proteger contra a cepa original do Sars-CoV-2 funcionam contra a variante Delta, mas são menos eficazes. A teoria da evolução prevê isso: variantes virais que podem escapar das vacinas têm uma vantagem evolutiva.

Portanto, podemos esperar uma corrida armamentista entre os desenvolvedores de vacinas e o vírus, com imunizantes tentando acompanhar a evolução viral. É por isso que provavelmente nos veremos tomando doses de reforço regulares, projetadas para superar essas novas variantes, assim como vemos com as doses de reforço da gripe.

As vacinas contra a Covid-19 reduzem a nossa chance de transmitir o vírus a outras pessoas, mas não bloqueiam totalmente a transmissão. E a teoria da evolução nos dá um “conto de advertência” sobre isso: há uma compensação entre a transmissibilidade e quão doente uma pessoa fica (virulência) com a maioria dos microrganismos causadores de doenças. Isso ocorre porque você precisa de uma certa carga viral para poder transmitir.

O que dizem os estudos sobre a proteção contra Covid-19 em idosos vacinados (Foto: Gustavo Vara)

Projetadas para superar novas variantes do Sars-CoV-2, doses de reforço regulares deversão ser necessárias no futuro, assim como vemos com as doses de reforço da gripe (Foto: Gustavo Vara)

Se as vacinas não forem 100% eficazes no bloqueio da transmissão, podemos esperar uma mudança na troca de imunizantes em direção a uma maior virulência. Em outras palavras, se pessoas vacinadas continuarem capazes de transmitir o vírus, um efeito colateral é que, com o tempo, a teoria prevê que o patógeno se tornará mais prejudicial para pessoas não vacinadas.

E quanto às futuras variantes?

No curto prazo, é altamente provável que a evolução continue a “ajustar” o vírus: seu valor R continuará a aumentar (mais pessoas serão infectadas em uma geração), o intervalo de série diminuirá (as pessoas ficarão infecciosas mais cedo) e as variantes tornarão as vacinas menos eficazes (evasão da vacina).

Mas não sabemos até onde essas mudanças podem ir e com que rapidez isso pode acontecer. Alguns cientistas acham que o vírus já pode estar se aproximando do “pico de aptidão”. No entanto, ele ainda pode ter alguns truques na manga.

O Grupo de Aconselhamento Científico para Emergências (SAGE, na sigla em inglês), do governo do Reino Unido, explorou recentemente cenários para a evolução de longo prazo do vírus. Os pesquisadores dizem que é quase certo que haverá uma “deriva antigênica”, isto é, um acúmulo de pequenas mutações fazendo com que as vacinas atuais se tornem menos eficazes. Assim, reforços com vacinas modificadas serão essenciais.

O SAGE também afirma que mudanças mais dramáticas no vírus (“mudança antigênica”), que podem ocorrer por meio da recombinação com outros coronavírus que podem infectar humanos, são uma “possibilidade realista”. Isso exigiria uma reengenharia mais substancial das vacinas.

O grupo também acredita que há uma possibilidade realista de uma “zoonose reversa”, levando a um vírus que pode ser mais patogênico para os humanos ou capaz de escapar das vacinas existentes. Este seria um cenário em que o Sars-CoV-2 infecta animais, antes de voltar aos humanos. Já vimos o novo coronavírus infectar visons, felinos e roedores.

O vírus se tornará mais mortal?

Versões do vírus que deixam seu hospedeiro muito doente (ou seja, que são altamente virulentas) são geralmente “selecionadas contra” — expressão referente às características que reduzem o sucesso reprodutivo de um organismo. Isso ocorre porque as pessoas teriam maior probabilidade de morrer ou ficarem isoladas, diminuindo a chance de o vírus ser transmitido a outras pessoas.

O grupo SAGE acredita que é improvável que esse processo faça com que o vírus se torne menos virulento a curto prazo, mas essa é uma possibilidade realista a longo prazo. No entanto, os cientistas dizem que também há uma possibilidade realista de que surjam mais cepas virulentas por meio de recombinação, um processo que outros coronavírus costumam seguir.

Portanto, a resposta a esta pergunta crítica é que realmente não sabemos se o vírus se tornará mais mortal com o tempo. Mas não podemos esperar que o vírus magicamente se torne inofensivo.

Os humanos irão evoluir para lidar com o vírus?

Infelizmente, a resposta é “não”. Os humanos não se reproduzem rápido o suficiente e nem acumulam mutações favoráveis ​​o bastante para ficarem à frente do vírus. O Sars-CoV-2 também não mata a maioria das pessoas que infecta. E em países com sistemas de saúde com bons recursos, não mata muitas pessoas em idade reprodutiva. Portanto, não há “pressão seletiva” para os humanos sofrerem uma mutação favorável que os deixe à frente do vírus.

Estudo indica que 40 espécies de morcegos migraram para a província de Yunnan no último século (Foto:  Jackie Chin/Unsplash)
Morcegos e coronavírus evoluem juntos há milhões de anos (Foto: Jackie Chin/Unsplash)

E quanto a futuras pandemias?

Finalmente, a teoria da evolução traz um alerta sobre futuras pandemias. Uma mutação genética que permite que um vírus em uma espécie relativamente rara (como um morcego) ganhe acesso às espécies de animais de grande porte mais comuns e amplamente distribuídas no planeta — a exemplo dos humanos — será fortemente selecionada.

Portanto, podemos esperar futuras pandemias quando os vírus se espalharem de animais para os humanos, assim como aconteceu no passado.

*Ecologista de doenças infecciosas e diretor do Centro de Saúde e Segurança Alimentar Planetária da Universidade Griffith, na Austrália. Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.

 

Fonte: Galileu

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