Exames pré-operatórios são mesmo necessários? Entenda

Digamos que você tenha agendada uma operação comum e de risco relativamente baixo, como uma remoção de catarata, reparo de hérnia ou implante de prótese de quadril ou joelho. É normal ficar ansioso com qualquer cirurgia que se aproxima. Mas e se um dos exames pré-cirúrgicos que seu médico prescreveu — por exemplo, uma radiografia de tórax ou exame de estresse cardíaco — revelar algo inesperado, como um nódulo suspeito ou uma anormalidade cardíaca leve? Aí você terá ainda mais motivos para se preocupar, e sua cirurgia provavelmente será adiada até que novos exames garantam ao médico que é seguro operar.

Os especialistas dizem que exames pré-cirúrgicos muitas vezes não se justificam para as operações comuns. Muitos são uma perda de tempo e dinheiro, mostra um número crescente de pesquisas, e os  próprios exames às vezes podem resultar em complicações.

Por mais de duas décadas, especialistas em diversas áreas médicas, incluindo cardiologia , oftalmologia e anestesiologia , publicaram diretrizes direcionadas à redução de exames pré-operatórios que fornecem descobertas relevantes para o risco cirúrgico do paciente. No entanto, os médicos praticantes muitas vezes não seguem este conselho. Diretrizes publicadas em 2002, por exemplo, pelo Colégio Americano de Cardiologia, da Associação Americana do Coração e da Sociedade Americana de Anestesiologistas resultaram em quase nenhuma mudança nos pedidos de exames pré-cirúrgicos quase uma década depois, de acordo com um relatório publicado na JAMA Internal Medicine. A única exceção foi um declínio no uso de eletrocardiogramas, um exame não invasivo que verifica a função cardíaca em repouso.

Às vezes, um exame pré-operatório de importância questionável resulta em complicações imprevistas, como aconteceu com um homem na casa dos 50 anos agendado para o reparo de uma hérnia muito dolorosa. Dois médicos do Colorado relataram em 2014 que os exames de laboratório e exame físico do homem estavam normais. Mas uma radiografia de tórax, solicitada porque ele tinha um histórico de asma leve, sugeriu que ele tinha um nódulo no pulmão.

Os médicos não realizaram a cirurgia até que ele fizesse uma tomografia computadorizada, que não confirmou um nódulo pulmonar, mas encontrou um em uma glândula adrenal. Mais uma vez, os médicos adiaram a cirurgia para permitir uma investigação mais aprofundada do nódulo adrenal, que acabou sendo considerado benigno. O homem finalmente teve sua hérnia reparada após seis meses extras de dor e ansiedade devido a exames que sugeriam que ele poderia ter câncer.

Talvez o mais problemático entre os procedimentos pré-operatórios comuns seja o exame de estresse cardíaco, que avalia o fluxo sanguíneo para o coração enquanto os pacientes se exercitam.

— Exames de estresse cardíaco são pedidos excessivamente, mas se não houver indicação de um problema cardíaco, como falta de ar, não há razão para fazer este exame antes da cirurgia — disse Alana Sigmund, médica interna do Hospital de Cirurgia Especial em Nova York, que estudou as respostas dos médicos às diretrizes pré-operatórias.

As diretrizes mais recentes, que o Colégio Americano de Cardiologia e a Associação Americana do Coração emitiram em 2014, desaconselham que um exame de esforço cardíaco pré-cirúrgico seja solicitado a pacientes sem sintomas sugestivos de doença cardíaca, já que não há evidências de benefício para a saúde nesses casos. No entanto, a decisão cabe aos médicos e aos pacientes.

Contraproducente

Um estudo recente de Daniel Rubin e seus colegas da Universidade de Chicago mostra que muitos médicos persistem na solicitação de exames de estresse pré-operatórios entre os pacientes com risco muito baixo de complicações cardíacas, apesar das diretrizes de 2014 e de uma campanha nacional nos EUA chamada “Escolhendo Sabiamente”, que visa coibir exames e procedimentos desnecessários.

O estudo, publicado na JAMA Cardiology em janeiro, examinou mais de 800 mil pacientes que colocaram prótese no quadril ou joelho, o que geralmente é considerado uma cirurgia de baixo risco. Ele descobriu que quase metade dos pacientes que realizaram um exame de estresse pré-operatório não apresentavam fatores de risco cardíaco que pudessem justificar seu uso. Além disso, o exame de esforço não diminuiu o risco de sofrer um ataque cardíaco ou parada cardíaca durante ou imediatamente após a cirurgia, mesmo entre pacientes com um ou mais fatores de risco cardíaco.

Na verdade, o exame de estresse pode ter sido contraproducente. Por razões que Rubin não conseguiu explicar, os pacientes sem fatores de risco que realizaram um exame de estresse cardíaco tiveram o dobro da taxa de complicações experimentadas por pacientes que não o fizeram.

Qualquer que seja a explicação para essa descoberta, o exame em si não está isento de riscos, conforme observou Ravi Chopra, residente em neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Washington. Na JAMA Internal Medicine em outubro, Chopra e seus colegas descreveram um paciente de 72 anos sem nenhuma doença cardiovascular ou sintomas cardíacos conhecidos que fez um exame de esforço antes de colocar uma prótese de quadril. O exame apresentou uma anormalidade cardíaca leve, levando a um cateterismo que resultou em danos a dois vasos sanguíneos que tiveram que ser reparados cirurgicamente.

— Exames podem causar danos — disse Chopra. — Precisamos pensar muito bem sobre quem estamos examinando. Deve haver um motivo muito bom para isso.

Antes de solicitar um exame, alertam os especialistas, é preciso considerar se os exames revelariam algo importante sobre o risco cirúrgico de um paciente que o médico não pudesse determinar fazendo algumas perguntas simples durante uma consulta de rotina. Por exemplo: “Você fica sem fôlego ao subir um lance de escadas ou caminhar quatro quarteirões  em seu bairro?” pode fornecer uma avaliação rápida sobre sintomas cardíacos.

Chopra acrescentou ainda que “é difícil mudar o comportamento do médico com diretrizes”, especialmente quando os médicos temem ser processados se algo der errado e que poderia ter sido evitado por um exame pré-cirúrgico. Ele sugeriu que os pacientes podem ajudar questionando quais dados um determinado exame fornece e se ele é realmente necessário.

— Escolha um médico atencioso, que te ouça e seja criterioso sobre os exames — disse. — Você não precisa solicitar cem exames se apenas um for suficiente.

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