Febre aguda: orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria

A febre aguda representa uma das queixas pediátricas mais comuns nos atendimentos, com estimativa de que 20 a 30% dos pacientes a tenham como queixa principal. A Sociedade Brasileira de Pediatria elaborou um documento com as principais orientações sobre esse sintoma. Trouxemos os principais pontos.

 

Febre aguda: orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria

Febre em pediatria

Febre não é uma doença, mas um sinal. O quadro clínico é caracterizado por taquicardia, taquipneia, extremidades frias, ausência de sudorese, sensação de frio e, eventualmente, tremores. Não existe um valor único que possa defini-la, pois a temperatura pode variar de acordo com o local onde é aferida. Além disso, seus valores corporais variam ao longo do dia, sendo os menores durante a madrugada e os maiores ao fim da tarde, com amplitude de variação em lactentes de até 1 °C.

De maneira geral, utilizamos as seguintes temperaturas para caracterizar a febre:

  • Temperatura retal maior que 38,0-38,3 °C
  • Temperatura oral maior que 37,5-37,8 °C
  • Temperatura axilar maior que 37,2-37,3 °C
  • Temperatura auricular maior que 37,8-38,0 °C

Apesar do receio das famílias diante de um quadro febril, não existem evidencias de que a magnitude da temperatura atingida durante a febre tenha qualquer valor diagnóstico ou prognóstico, exceto em menores de 03 meses com leucocitose ou com proteína C reativa aumentada.

A temperatura corporal de nosso corpo é mantida pelo “centro regulador” localizado no hipotálamo, que integra informações tanto da temperatura corporal interna quanto do meio ambiente, realizando fino equilíbrio entre produção e perde da calor. O metabolismo basal é a principal fonte de calor do organismo humano. Outras fontes importantes são a atividade física e a alimentação. Já em relação à perda de calor, os principais mecanismos são: radiação (perda através de ondas infravermelhas), evaporação (sudorese), convecção (perdas por correntes de ar que circulam ao redor do corpo) e condução (troca de calor no contato direto com alguma superfície). As vestes funcionam como barreira para dispersar de calor através da condução, por isso a hipertermia é mais comum na faixa etária dos lactentes.

Diferente da hipertermia, que ocorre quando a elevação da temperatura corporal decorre da dificuldade na perda de calor, a febre é desencadeada por um conjunto de reações em resposta a estímulos externos, através de agentes conhecidos como pirógenos exógenos. Estes podem ser infecciosos (tais como como vírus, bactérias e fungos) e não infecciosos (por exemplo, complexos antígeno-anticorpo e antígenos resultantes de destruição celular — por exemplo: fator de necrose tumoral). Os pirógenos exógenos, ao entrarem em contato com os macrófagos nos tecidos, induzem a produção de pirógenos endógenos liberam interleucinas e outras substâncias que ativam o centro termorregulador do hipotálamo na produção da prostaglandina E2 (PgE2) que, por sua vez, aumenta o ponto de termorregulação do corpo. A elevação da temperatura corporal é modulada por hormônios como glicocorticoides, hormônio antipirético e fator de necrose tumoral alfa, que atuam como antipiréticos endógenos, impedindo que a temperatura atinja níveis muito elevados que poderiam bloquear a atividade enzimática do corpo.

Sabemos que a febre potencializa a atividade enzimática, gerando aumento da atividade metabólica das células. Desta forma, promove aceleração da migração dos linfócitos para a região onde estiver ocorrendo o processo inflamatório (aumenta a concentração de macrófagos), diminui a estabilidade da membrana lisossomal (potencializa ação bactericida dos macrófagos), acelera a produção de anticorpos e, de forma indireta, altera o metabolismo do ferro (micronutriente fundamental para multiplicação bacteriana), ao diminuir sua biodisponibilidade decorrente da redução da absorção pelo intestino e aumento da captação pelo fígado. Como ocorre diminuição do ferro sérico, observamos também uma queda na dosagem de hemoglobina, que pode chegar a 3 g/dL durante o quadro de infecção aguda e acaba sendo classificada — equivocadamente — como anemia!

Convém lembrar que, apesar do quadro infeccioso estar quase sempre associado a febre, em recém-nascidos, especialmente prematuros, a hipotermia também pode ser um sinal de processo infeccioso. Ela ocorre como consequência da vasoconstrição periférica, como resposta do centro termorregulador aos pirógenos exógenos, associada à pouca quantidade de tecido subcutâneo.

Orientações às famílias quanto ao manejo da febre

A temperatura retal é considerada a mais fidedigna da temperatura central, mas deve ser evitada em crianças menores de cinco anos por ser desconfortável e invasiva. A medida da temperatura axilar, com termômetro digital, é recomendada para todas as crianças, devendo evitar os termômetros de mercúrio pelo risco de quebra e toxicidade.

Métodos físicos para redução da temperatura corporal têm pequena duração, e podem aumentar o desconforto do paciente, com calafrios e irritabilidade. A recomendação para uso de antitérmicos ocorre quando a febre está associada à desconforto evidente, com a criança apresentando choro intenso, irritabilidade, redução da atividade, redução do apetite, etc. É importante orientar os pais para ficarem mais atentos ao estado geral da criança do que a valores engessados de temperatura. A dipirona, o ibuprofeno e o paracetamol costumam ser bem tolerados, sendo que apenas este último é recomendado para lactentes menores que um mês. O mecanismo de todos eles consiste na inibição das enzimas cicloxigenases COX1 e COX2, reduzindo a produção da PgE2. O uso alternado ou associado de antitérmicos não é recomendado, pois aumenta o risco de superdosagem e intoxicações. Apesar da ausência de evidências científicas que justifiquem a alternância do uso de antitérmicos, esta ainda é uma prática muito realizada, inclusive orientada por médicos.

O uso preventivo de antitérmicos não é recomendado para evitar convulsões febris.

Estudos publicados não recomendam a utilização de antitérmicos de rotina no momento da vacinação, uma vez que a resposta dos anticorpos a vários dos antígenos vacinais foram reduzidas.

Análise dos antitérmicos disponíveis

  • Dipirona — ação antitérmica e analgésica, com inicio de ação de 30 a 60 minutos e duração de 4 a 6 horas. A dose recomendada é de 10 a 12 mg/kg/dose (o uso tradicional de 1 gota/kg corresponde a 25 mg/kg, levando à superdosagem). Dentre os efeitos adversos, estão urticária, rash, anafilaxia, broncoespasmo, agranulocitose e hipotensão.
  • Ibuprofeno — ação antitérmica e analgésica na dose de 5-10 mg/kg/dose e anti-inflamatória na dose de 15-20 mg/kg/dose.
  • Paracetamol — ação analgésica e antitérmica, sem ação anti-inflamatória. Dose recomendada de 10-15 mg/kg/dose, com máximo de 75 mg/kg/dia. Doses elevadas de paracetamol são associadas a doença hepática toxica.

O médico deve orientar os pais no sentido de combater, de forma empática, a “febrefobia”, compreendendo a ansiedade dos pais, porém enfatizando o uso criterioso de antitérmicos. A diferenciação entre crianças com e sem doença grave se dá não pela febre, mas pela avaliação do estado geral e dos sintomas como um todo. O uso intercalado de antitérmicos é um mito que deve ser combatido, evitando a polimedicação e reduzindo o risco de intoxicações.

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