Gulnar Azevedo: “Plano de saúde é uma ilusão, trabalhadores precisam lutar pelo SUS”

[Rio de Janeiro] – “O plano de saúde é uma ilusão. O trabalhador ganha [acesso aos planos privados] quando entra na empresa e perde quando se aposenta ou é demitido. E não tem a linha de cuidado adotada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) , não existe a Atenção Básica – é atendido por quem está lá [na clínica], e depois não há acompanhamento do tratamento. Nós, profissionais de saúde, precisamos mostrar para os trabalhadores a melhor opção, devem lutar pelo SUS”. Este foi o chamamento que Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco, fez para médicas e médicos presentes na Conferência Pan-Americana de Saúde do Trabalhador e Ambiental, na última sexta-feira (28/09), no Rio de Janeiro.

A epidemiologista proferiu a conferência “A Saúde do Trabalhador e os Sistemas de Acesso Universal – Alma-Ata, SUS, NHS e Canadian Health Care” – traçando comparativos entre os sistemas brasileiro, canadense e britânico, respectivamente. O National Health Service completa 70 anos em 2018, é o sistema mais antigo, e 94% de seus serviços são completamente públicos para os residentes do Reino Unido. As pessoas procuram centros de saúde em seus bairros e depois, se necessário, seguem para especialistas. Já no Canadá, a triagem é feita por autoridades de saúde locais, na província e nos territórios, que administram os hospitais – estes possuem serviços públicos e privados – e tabelam, em conjunto com associações e médicos, os preços. Os canadenses podem, entretanto, seguir direto para especialistas, sem passar pela Atenção Primária.

Qual é o debate atual sobre universalidade dos sistemas de saúde?

Além de evidenciar o método de cada estrutura, Gulnar também esclareceu a diferença  conceitual entre sistema universal e cobertura universal em saúde. Nos países europeus, desenvolvidos, a universalidade é a cobertura pública de sistemas nacionais. Em países em desenvolvimento, como Colômbia e México, significa cobertura de serviços básicos ou com seguros de saúde pública e privados. Uma cobertura gradual, já que “nem todo mundo tem direito ao pacote inteiro como a que a gente tem hoje. No SUS todo mundo tem direito a tudo. Entra pela Atenção Básica e vai seguindo conforme a necessidade”, explica.

+Wanderlei Pignati também esteve na Conferência, falando sobre o cenário da vigilância em saúde no campo

“Em relação a isso, o que a gente pensa para o sistema de cobertura universal é proteção financeira em saúde para que todos tenham acesso ao serviço de saúde, reduzindo pagamentos diretos no ato da utilização – e evitando gastos catastróficos. A cobertura universal controla isso, garante que as pessoas tenham acesso. Porém o financiamento é uma combinação de fundos – tem modalidade de asseguramento – precisa da presença dos planos privados – e visa reduzir o papel do estado como regulador – há um risco enorme de com isso a gente não ter o estado regulando toda Atenção Básica. No sistema financiado universal, entretanto, os fundos são públicos, a partir de receita de impostos gerais , contribuições sociais que garantem o cuidado integral – tanto individual como coletivo. Serviços organizados por rede e orientados pela Atenção Primária. É fundamental  a gente garantir esse aspecto no SUS e a gente entender que assim funciona”.

O SUS é eficiente

O Reino Unido gasta quase 10% de seu PIB com a saúde – enquanto o Canadá dispensa 10,4%. Um exemplo da América, Cuba, dispensa 10,9%. Já o Brasil, chega a 9% – entretanto, mais de 50% deste valor é referente ao setor privado, por isto a discrepância de gasto públicos com saúde continua sendo grande. Para Gulnar, isto comprova a eficácia do sistema: “O  SUS é eficiente? É eficiente. Porque somente 25% da população tem plano de saúde. Se 75% é totalmente assistida e coberta pelo SUS com uma quantidade menor deste gasto [já que mais 50% é referente ao setor privado] significa que a gente é eficiente”.

A fonte utilizada para desenhar o crescimento do SUS foi a edição comemorativa dos 30 anos do Sistema Único de Saúde da Revista Ciência & Saúde Coletiva, da Abrasco, publicada em junho (v.23 número 6 2018). Os dados são expressivos: em 1981 existiam aproximadamente 21 mil estabelecimentos de saúde no Brasil, em 2017 129 mil, entre públicos e clínicas privadas; Em 1980 o número de médicos era cerca de 117 mil – em 2017 o número foi  para 447 mil; Já de 2007 a 2017 o número de dentistas aumentou de 90 mil para 230 mil, enquanto o de enfermeiros foi de 78 mil para 127 mil, no mesmo período. Outro dado importante é o de aumento ao Acesso aos serviços de saúde: em 1998  só 54,7% da população havia consultado um médico nos últimos 12 meses – em 2013 subiu para 71,2% dos entrevistados.

Reforma Trabalhista e Saúde do Trabalhador

Traçando um histórico das conquistas da Saúde do Trabalhador – desde a Jornada do Trabalhador (1970) até o retrocesso com a Reforma Trabalhista, aprovada pelo governo Temer (MDB) em 2017, Gulnar expressa que “É grave o que vem acontecendo, [a reforma trabalhista]  individualiza as relações de trabalho, reduz os direitos conquistados pela CLT, precarizando, expondo os trabalhadores a condições piores, retira direitos, intensifica jornada e riscos de trabalho, expõe as pessoas a condições de insegurança, com forte impacto na saúde”.

Para orientar a discussão, a presidente da Abrasco sugeriu também que os congressistas lessem o registro da Mesa Redonda Contrarreforma Trabalhista e Previdenciária: seguridade social e direito à saúde em questãoque discutiu as reformas trabalhistas e previdenciária (em trâmite), durante o Abrascão 2018. No espaço citado, a professora Maria da Graça Druck de Faria (Fundação Jorge Duprat e Figueiredo) afirmou que “O que vemos hoje é que o nível de desemprego não se alterou; o número de empregos cresce apenas em atividades informais, ou seja, em contratos de trabalho autônomo. As estatísticas do governo, especialmente do Ministério do Trabalho, estão computando o trabalhador formal por meio do uso do trabalho intermitente”.

Como medidas para fortalecer a Saúde do Trabalhador, Gulnar aponta necessidade de “participação efetiva do controle social, melhoria na representação dos trabalhadores” e “continuar a reforma de estado,  operar com autonomia – do mercado e de partidos – em cogestão com usuários”.

O SUS é uma revolução passiva brasileira

“Faz parte dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ debatidos pela ONU] – trabalho digno e crescimento econômico. Como pode, sem garantia de democracia e saúde? O nosso papel de profissionais da saúde pública é entender que essa conquista não pode ser perdida. Tem que avançar. É claro que a gente pode melhorar , há problemas de subfinanciamento no SUS, o maior problema. Há problema de gestão. Há um problema de controle social. Se não  exercer esse papel, a gente não avança. Termino citando Nelson Rodrigues, companheiro abrasquiano: ‘Se o estado sabota o SUS resta à sociedade civil lutar pela Reforma Sanitária Brasileira e por um sistema de saúde universal publico, de qualidade e efetivo, cabendo ao movimento sanitário contribuir para imprimir um caráter mais progressista à revolução passiva brasileira’ – e o SUS é uma revolução passiva brasileira”, conclui.

Fonte: Abrasco

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