Pausa mundial na distribuição de Champix já afeta o Brasil; Pfizer afirma que lotes à venda no país não estão contaminados

SÃO PAULO –  Um dos principais medicamentos utilizados por quem quer largar o cigarro, o Champix, nome comercial do tartarato de vareniclina, comercializado pela Pfizer, teve sua distribuição mundial suspensa em junho devido à contaminação por um composto cancerígeno chamado nitrosamina. Embora a interrupção possa prejudicar os tratamentos antitabagismo também no Brasil, por aqui não foram detectados níveis preocupantes da substância nos lotes da droga, informa a farmacêutica. O país, porém, já enfrenta lacunas de abastecimento nas farmácias.

Segundo informou a Pfizer, em nota ao GLOBO, os “resultados (com presença acima do tolerável do composto) não se referem aos lotes atualmente disponíveis no Brasil, dentro do prazo de validade”. A informação foi confirmada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A situação é diferente nos Estados Unidos, onde altos níveis de nitrosamina foram encontrados nos comprimidos e a empresa anunciou que vai recolher os lotes das droga.

A Pfizer não revela quantas unidades de Champix ainda estão no mercado brasileiro. No entanto, o medicamento já está indisponível para compra on-line nas principais redes de farmácia do país. Como a distribuição mundial não tem prazo para ser retomada, o fim dos estoques no Brasil privaria os pacientes de uma droga considerada pelos especialistas como uma das armas mais eficientes no combate ao tabagismo.

Longo prazo

As nitrosaminas são substâncias químicas comumente encontradas em água e alimentos, como carnes curadas e grelhadas e frituras, além do tabaco. Nos medicamentos, elas podem surgir devido aos processos de fabricação ou armazenamento. Em pequenas quantidades, não oferecem risco à saúde. Mas estudos em laboratório mostraram que, em altos níveis, alguns desses compostos podem ser cancerígenos após exposição de longo prazo, o que levou a uma preocupação das agências regulatórias.

Em 2019, a Anvisa recolheu 180 lotes de medicamentos usados no tratamento para hipertensão arterial, após encontrar em suas fórmulas pequenas quantidades de nitrosaminas. No caso da Pfizer, a decisão de pausar a distribuição do medicamento em todo o mundo este ano enquanto aguarda “a conclusão de novas avaliações que já estão em andamento” e de recolher os lotes nos Estados Unidos partiu do próprio laboratório.

Vale lembrar que, apesar do aumento do risco, não houve nenhum caso de câncer associado ao uso da medicação. Em comunicado, a Food and Drug Administration (FDA), agência que regula medicamentos nos EUA, afirma que “os benefícios para a saúde de parar de fumar superam o risco de câncer da impureza nitrosamina da vareniclina”.

Além da vareniclina, no Brasil também estão disponíveis para o tratamento do tabagismo os repositores de nicotina em forma de adesivo ou goma de mascar e a bupropiona, com um mecanismo de ação bem diferente do Champix.

Jaqueline Sholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor, destaca que o Champix é o medicamento mais eficaz disponível atualmente na luta contra o tabaco. A substância atua nos receptores de nicotina no cérebro, evitando que a substância se ligue a eles. Isso inibe a satisfação que o fumante sente quando acende um cigarro.

— A nicotina ativa o circuito da dopamina e isso gera uma sensação de prazer no fumante. A vareniclina é altamente eficaz porque bloqueia esse circuito de recompensa e tira a fissura. A reposição de nicotina ou a bupropiona atuam apenas na redução dos sintomas de abstinência. Mas se uma pessoa que está em um desses tratamentos tiver uma recaída e acender um cigarro, ela vai voltar a fumar fatalmente porque isso será muito prazeroso para ela. Já para as pessoas que tomam varenicilina, o ato de fumar não é tão prazeroso e é mais fácil recompor o tratamento — explica Sholz.

Mesmo com a droga, a luta contra o tabagismo é difícil. De acordo com o CDCL, órgão americano de pesquisa na área de saúde, a nicotina estimula as áreas de satisfação e recompensa no cérebro e é tão viciante quanto heroína. Segundo o pneumologista Paulo Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a maioria dos fumantes faz de cinco a sete tentativas até de fato conseguir parar de fumar.

— Se a pessoa não conseguiu a primeira vez, não pode desistir. É preciso tentar de novo — ressalta.

Para Sholz, o sucesso do tratamento depende de uma avaliação da saúde mental.

— O medicamento para parar de fumar tem limitação. Ele não traz o conforto emocional proporcionado pelo cigarro. Muitas vezes, o tratamento não tem sucesso porque o paciente tem depressão ou ansiedade que não estão tratados e isso dificulta largar o cigarro — diz.

O tabagismo aumenta o risco de câncer de pulmão em até 30 vezes e multiplica a incidência de muitas outras doenças, respiratórias e cardiovasculares. No Brasil, o número de fumantes vem diminuindo a cada ano, mas dados mostram que 19 milhões de brasileiros ainda fumam regularmente.

A falta do Champix aponta para a necessidade do desenvolvimento de novos tratamentos eficazes para o tabagismo e também abre caminho para o ressurgimento de tratamentos antigos, como a citisina. Segundo informações do El País, a substância começará a ser vendida na Espanha sob o nome comercial de Todacitan na primeira quinzena de novembro, o que foi considerado uma ótima notícia diante do desabastecimento de vareniclina. Ambas agem nos receptores de nicotina no cérebro.

Uso tradicional

Segundo Corrêa, a vareniclina é fruto de uma modificação na estrutura da citisina, que lhe conferiu um efeito ainda mais potente. Encontrado no laburno, árvore nativa da Europa, o composto do Todacitan já é usado no continente há cerca de 50 anos como arma contra o tabagismo, de acordo com um editorial da revista médica BMJ assinado pela pesquisadora Judith J Prochaska, da Universidade Stanford, nos EUA, e outros dois colegas. Durante a Segunda Guerra, a substância foi consumida como substituto barato do tabaco por soldados russos e alemães. Em 1964, foi lançada pela primeira vez na Bulgária com o nome de Tabex.

— Temos uma carência de medicações contra o tabagismo. Desde 2007, quando foi lançada a vareniclina, não há nada novo. No horizonte, há a possibilidade de uso de canabidiol e de uma vacina de nicotina, mas ambos ainda estão em estudo. A possibilidade de utilizar a citisina, ainda mais com a perspectiva de indisponibilidade da vareniclina, aparece como importante apoio ao tratamento psicológico e comportamental — diz Corrêa.

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